O INFERNO SÃO OS OUTROS
Aos poucos, de modo sub-reptício ou não, a classe política tenta convencer os brasileiros de sua inocência no escândalo de corrupção. Eles, os homens públicos, são como doentes em uma grande enfermaria, contaminados por um vírus que lhes foi inoculado por donos de grandes construtoras. A imagem do empreiteiro, corruptor em larga escala, é conhecida ou deveria ser. O Shylock de O Mercador de Veneza, de Shakespeare, o Ebenezer Scrooge de Um Conto de Natal de Dickens ou Murks e Floyd de A Música do Acaso, de Auster, são seus pares na literatura. Constrói-se a narrativa de que juízes e a justiça agem em conluio com esses empresários, alguns deles descritos com mãos macilentas, dedos magros e compridos, unhas pontiagudas, olhos penetrantes, línguas bifurcadas… Cesse aqui a ficção. Em meio à crise política em que está imerso o país desde 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que era hora de dar um basta na pessoa jurídica que destina milhões às campanhas eleitorais. Em nome de uma declarada isonomia, mas principalmente em razão da ausência na lei em vigor de ferramentas que poderiam evitar a “captura do político pelo poder econômico”, julgou o stf por bem proibir as doações privadas. Não foi a última palavra. Em verdade, tratou-se de “última palavra provisória”, um sofisma para explicar que a decisão não é definitiva. Serve somente para “abrir caminho aos debates entre o Poder Executivo, o Poder Executivo e as entidades da sociedade civil”. Assim, o Poder Judiciário, o terceiro na divisão tripartite do Estado, estende a mão fraterna à classe política, livrando-a da “contaminação” do capital privado. Como disse o filósofo existencialista Jean Paul Sartre: “O inferno são os outros”. A fim de garantir que os ocupantes de cargos eletivos não caiam em tentação, optou-se pelo retorno do Fundo Público de Campanha, que ganha a aura de panaceia, o remédio para todos os males. Que não nos fiemos por ilusões. Até a eleição presidencial de 1989, a primeira a receber lufadas da redemocratização, era sob essa regra (a do fundo público) que o pleito funcionava. O resultado não foi animador. Com a pessoa jurídica devidamente vetada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650/DF, o plenário do STF decidiu, por maioria de votos, desautorizar os dispositivos da Lei 9.096/95, que somente duas décadas antes havia autorizado que pessoas jurídicas destinassem verbas às campanhas eleitorais, obedecido o teto de 2% do faturamento bruto da empresa doadora. Os entendimentos voláteis na corte suprema só fazem desmerecer e descontinuar o processo eleitoral do país, já tristemente desacreditado. Difícil pensar que, assim, teremos um norte.
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Na entrevista desta edição, a advogada e professora do curso de pós-graduação em direito do trabalho e previdenciário da Univali/SC, Cláudia Salles Vilela Vianna, atiça com tenazes curtas a brasa da reforma previdenciária, tema para o governo do porvir. Diz ela, em letras maiúsculas: “A previdência é superavitária”, lançando mão em seus argumentos do que a Constituição determina. O assunto, certamente, deve balançar as estruturas de especialistas econômicos acostumados a expor certezas sem considerar as dúvidas.