13 táticas parlamentares para aprovação das leis

Mapear os artifícios estratégicos é tarefa crucial e necessária para compreender como funciona o poder legislativo. -- Por Roberta Simões Nascimento Professora adjunta da UnB -- (Bonijuris #670 Jun/Jul 2021)

Roberta Simões Nascimento PROFESSORA ADJUNTA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

INTRODUÇÃO[1],[2]

Nos estudos voltados para a análise da decisão dos legisladores, um aspecto particular (o papel das táticas parlamentares) com frequência fica relegado a plano desvinculado da disputa argumentativa. A limitação a um enfoque estritamente argumentativo, centrado no aspecto discursivo, e que desconsidera o curso de ação global dos parlamentares, é incompleto para dar conta das práticas parlamentares observadas no dia a dia dentro do Poder Legislativo. Por isso, aqui se entende que prestar atenção às manobras dos legisladores – calcadas ou não nos regimentos internos das casas legislativas, voltadas para o alcance de posições favoráveis no processo de elaboração e deliberação de normas legais – é medida salutar para avaliar a decisão legislativa.

Neste sentido, uma perspectiva pragmática, voltada para o que efetivamente acontece na arena legislativa, deve chamar a atenção para uma infinidade desses expedientes dos quais os atores lançam mão nas diversas etapas de uma discussão dentro do parlamento por ocasião da elaboração das leis. Além das razões, dos argumentos apresentados – inclusive os falaciosos –, cumpre dar conta também das “táticas parlamentares”, aqui definidas como os movimentos dos argumentadores, já não no âmbito do discurso oral, mas no plano da ação, “operativos”, destinados a fazer prevalecer seus pontos de vista ou interesses, conciliando os diversos objetivos envolvidos na atuação dos parlamentares no processo legislativo.

Um parlamentar, para ter êxito em suas iniciativas, precisa conhecer bem as regras regimentais que definem a condução dos trabalhos dentro do Poder Legislativo, não só para usá-las, mas também para saber saltá-las quando for o caso, ou para tirar proveito delas “atrapalhando” seus adversários políticos. O governo, mais do que ninguém, precisa entender esses meandros para conseguir aprovar as leis de seu interesse. O comportamento estratégico dos parlamentares é esperado e é assim que acontece. Nesses termos, propõe-se o estudo das “manobras estratégicas” possíveis em cada contexto com vistas à compreensão do curso de ação tomado, resultante na aprovação da lei ou rejeição da proposição legislativa.

1. ALGUMAS APROXIMAÇÕES ÀS TÁTICAS PARLAMENTARES COMO COMPONENTES ESTRATÉGICOS NA ARENA LEGISLATIVA

Os regimentos internos das casas legislativas trazem regras disciplinadoras da atuação parlamentar, definindo condições e procedimentos para, entre outras ações, a apresentação de projetos de leis, emendas, a organização das comissões, o modo de debater, votar etc. A ideia é que os regimentos estabeleçam a ordem dos trabalhos, evitando os inconvenientes inerentes a reuniões numerosas, a fim de que o parlamento melhor alcance sua finalidade de deliberar sobre o bem comum.

Tomadas nesses termos, as regras parlamentares impingem constrangimentos institucionais e têm consequências políticas inegáveis. O regimento interno constitui legislação essencial, pois oferece uma espécie de moldura, que, de forma semelhante a um manual de instruções, permite que se entenda o funcionamento de algumas engrenagens da dinâmica parlamentar.

 Cabe considerar táticas parlamentares como o conjunto de manobras estratégicas empregadas pelos parlamentares, partidos políticos e o presidente da república, durante o processo de elaboração legislativa, com vistas a obter posições favoráveis na tomada de decisão, pelo uso das regras dos regimentos internos ou não.

As táticas parlamentares abrangem tanto as técnicas de obstrução das minorias parlamentares – para atrapalhar e dilatar ao máximo a decisão legislativa – como os mecanismos de que as maiorias se valem para aprovar rapidamente suas proposições, inclusive saltando as tramitações. As táticas parlamentares revelam a dinâmica legislativa independentemente da ideologia dos parlamentares e partidos políticos envolvidos, pois todos fazem uso dessas manobras. Algumas são aceitáveis, outras não, como será possível ver adiante. Seja como for, o comportamento estratégico é uma realidade inerente à prática parlamentar e, justamente por isso, parece imprescindível começar a tratar adequadamente a questão.

Ficam de fora da noção de táticas parlamentares aqui empregada a mentira, o ocultamento de razões, a manipulação, a chantagem, o pagamento de vantagens indevidas para a adoção de determinados comportamentos (de votar a favor ou contra), como tudo o relacionado à chamada “má política”, que, na verdade, socava toda a possibilidade de deliberação pública em prol do bem comum. Também não se encaixam na definição aqui utilizada as barganhas horizontais entre os próprios parlamentares nos bastidores e os acordos “de cafezinho”, sem prejuízo de que estes últimos possam ser o objetivo desejado com a tática parlamentar (com frequência, o que se pretende é forçar uma rodada de negociações).

Como será possível ver com mais detalhes, parte das táticas parlamentares encontra expressa previsão regimental, outras não. Algumas podem ser usadas a qualquer tempo, ao passo que outras têm momento certo e disciplina específica. A rigor, nem todas as condutas detalhadas na sequência representam violação a algum preceito ético ou valor moral. Como sua aplicação se dá dentro de um contexto, este também deve ser analisado para verificar se o recurso ao expediente tático de fato contribuiu – ou não – para o desiderato em concreto (forçar ou barrar a aprovação da lei ou emenda), favorecendo ou atrapalhando o devido processo legislativo, isto é, as táticas podem ser usadas para diversos fins, inclusive boas causas.

Seja como for, invariavelmente causam perplexidade, na medida em que muitas artimanhas parlamentares funcionam como subterfúgios à efetiva troca de razões, espelhando o lema que intitula o presente trabalho, pois o uso de certas táticas sugere que pode ser melhor “calar” do que “falar” para aprovar leis. Inclusive, pode-se dizer que esse é o padrão de comportamento da quase totalidade dos parlamentares. Isso não é um problema em si, já que não se pode esperar nada muito diferente do “jogo” que é a arte de legislar.

Com isso, sem mais, passa-se às táticas parlamentares propriamente ditas.

          3. A PRESUNÇÃO DA VOTAÇÃO SIMBÓLICA

Nas duas casas legislativas há duas modalidades de votação: a ostensiva e a secreta, de acordo com os arts. 184 a 188 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (ricd), e os arts. 289 a 297 do Regimento Interno do Senado Federal (risf).

Cada modalidade conta com dois ou mais processos de votação: a) a votação ostensiva pode ser realizada (1) pelo processo simbólico ou (2) pelo processo nominal; e b) a votação secreta pode ser feita (1) pelo processo eletrônico, (2) por intermédio de cédulas impressas ou (3) com o uso de esferas brancas (que representam o sim) e pretas (não), no caso do Senado, nas situações em que o sistema eletrônico não estiver funcionando (risf, art. 297; o ricd não prevê o processo de esferas brancas e pretas).

No processo simbólico, o presidente, ao anunciar a votação de qualquer matéria, convidará os deputados e senadores favoráveis a permanecerem sentados e proclamará o resultado manifesto dos votos. Na prática contemporânea, usa-se não “sentados”, mas “como estão”, de modo que os contrários levantam as mãos. No Senado é possível, ainda, que a votação simbólica se dê de forma eletrônica. Esse processo costumava ser o mais frequente, muito embora venha sendo substituído paulatinamente pelo voto de liderança (art. 293, inc. ii, do risf), que será visto com mais detalhes no tópico seguinte.

Em caso de dúvida no contraste visual, isto é, quando alguns parlamentares levantarem as mãos, o presidente pode levar a cabo o chamado processo de verificação de votação (de quórum) de ofício ou por provocação. Neste último caso é necessário que o requerimento seja formulado por seis centésimos dos membros da Câmara dos Deputados (isto é, 31 deputados) ou pelos líderes que representem esse número (ricd, art. 185, § 3º). Nessa situação, procede-se ao sistema de votação nominal. No caso do Senado basta o pedido de um senador (o autor) ser subscrito por mais três senadores, os apoiadores (risf, art. 293, inc. iv[3]).

Com isso, chega-se a uma regra regimental de importância fulcral na atividade parlamentar: havendo-se procedido a uma verificação de votação, só será permitida nova verificação de votação após o decurso de uma hora, exceto em caso de requerimento de um décimo dos deputados (isto é, 52) ou de líderes que representem esse número (ricd, art. 185, § 4º)[4]. A mesma regra consta do risf, art. 293, inc. v[5].

Como se vê, diversas táticas parlamentares decorrem das regras demonstradas. Primeiramente, a própria votação simbólica é uma solução regimental para contornar o problema do baixo quórum, permitindo a aprovação de matérias mesmo ante a falta de número regimental. Em segundo lugar, estejam ou não presentes os parlamentares necessários, o pedido de verificação de quórum de votação pode ser usado com intuito manifestamente protelatório, pois pode acarretar maior demora no processo de contagem dos parlamentares ou mesmo chegar a derrubar a sessão inteira (se sequer estiver presente o quórum de abertura). Em terceiro lugar, a existência de um intervalo temporal em que se proíbe novo pedido de verificação cria, na prática, uma janela temporal de presunção absoluta de existência de quórum, a qual pode ser utilizada estrategicamente para aprovação de temas mais polêmicos, os quais, sem o uso desse expediente, terminariam por demorar mais e ficariam sujeitos a receber mais votos contrários.

O principal argumento de defesa da sistemática de votação simbólica é a sua praticidade, permitindo que se confira maior agilidade aos trabalhos. Supostamente sua adoção pouparia perdas de tempo desnecessárias, especialmente em matérias com amplo consenso. A quase totalidade do que é votado no parlamento se dá por votação simbólica. Além disso, o argumento avança para detalhar que, conforme as regras regimentais, a votação simbólica não é adotada em todos os casos, havendo vedações expressas – o art. 186 do ricd[6] e o art. 294 do risf[7] preveem os casos em que se adotará necessariamente o processo nominal –, e, ainda, a possibilidade de recurso, com o objetivo de conferir a contagem (art. 185, § 1º, do ricd[8]; no risf, tais regras constam do art. 293).

Ainda em defesa da votação simbólica, registra-se a previsão de procedimentos semelhantes no direito comparado, notadamente nos parlamentos francês, italiano, alemão, português e mesmo no inglês. Na experiência comparada, figuram o sistema de “mãos levantadas”, o de “sentados e levantados” ou ambos (Fernández Riveira, 2003, p. 167-178).

Nada obstante tudo o que se acaba de explicar, o fato é que o processo de votação simbólica é anacrônico, pois o avanço tecnológico o tornou obsoleto, e sua manutenção não mais se sustenta, sobretudo em casos em que falte o quórum. São inúmeras as situações em que as proposições são aprovadas por essa sistemática, ante visível falta de número mínimo. As táticas parlamentares envolvidas na presunção de que há quórum (mesmo quando de fato não há) claramente ofendem a legitimidade, o princípio democrático (one man, one vote) e a própria imagem das casas do Congresso Nacional perante a opinião pública, maculada pela inoperância.

Justamente porque o voto é a principal manifestação juridicamente válida da vontade do parlamentar, acredita-se que reforçar o seu exercício em uma perspectiva ativa (em lugar de simplesmente presumi-lo) é importante para devolver prestígio à atividade parlamentar. Além disso, a segurança de que as decisões são tomadas com o número legal mínimo de votos necessários é a garantia do princípio representativo do parlamento (o princípio da maioria). Não é aceitável que a sistemática de votação empregada seja tão determinante para a obtenção do resultado nesse caso. Até se admite tal diferença quando o contraste seja entre os modos de votação, se ostensiva ou secreta, mas não parece razoável aceitar que se aprove uma lei mediante a sistemática simbólica quando não se alcançaria o mesmo resultado por uma votação nominal[9].

Em definitivo, sustenta-se que o fim da votação simbólica solucionaria o problema e acabaria com as distorções das regras comentadas. O caso seria institucionalizar a votação nominal, na linha de diversas propostas já lançadas[10]. A tradição cederia espaço ao avanço tecnológico, que pode conferir igual rapidez e ainda agregar transparência às votações.

             4. O VOTO DE LIDERANÇA

O anterior Regimento Interno da Câmara dos Deputados – aprovado pela Resolução 30, de 31 de outubro de 1972, revogada pela Resolução 17, de 21 de setembro de 1989 (o atual regimento interno) – previa em seu art. 176 o chamado “voto de liderança”, pelo qual a manifestação dos líderes dos partidos representava o voto de seus liderados, sendo aos parlamentares dissidentes permitida apenas a declaração de seu voto para registro em ata[11]. Trata-se de uma ficção jurídica pela qual o voto dos líderes tem o peso proporcional da bancada que representam: o voto de um é computado como o voto de todos os membros do partido ou grupo parlamentar, mesmo diante de expressa oposição individual do parlamentar representado.

No regimento interno hoje vigente, a menção ao voto de liderança foi suprimida, mesmo assim a dinâmica continua aplicada na prática, fazendo parte dos chamados “usos e costumes parlamentares”. A imensa maioria das matérias ordinárias é votada apenas pelos líderes, cujo voto tem o peso proporcional da bancada que representam, ou seja, o voto de um é computado como o de toda a bancada.

A constitucionalidade da previsão chegou a ser contestada perante o stf, ainda à luz do ordenamento constitucional anterior, no bojo do ms 20.499, o qual acabou julgado prejudicado pela perda superveniente da legitimidade ad causam (término do mandato do parlamentar impetrante).

Nada obstante, convém registrar o parecer do procurador-geral da república à época (posteriormente, ministro do stf, hoje aposentado), José Paulo Sepúlveda Pertence (publicado originalmente na Revista de Direito Público, RDP 76/57, out.-dez., 1985, embora a versão consultada esteja datada de 2011), de onde se resgata a consideração de que o voto de liderança surgiu como um dos instrumentos autoritários para esvaziar o conteúdo real do mandato legislativo dos congressistas e, consequentemente, o poder do Congresso Nacional.

Isso porque o “voto de liderança faz, dos líderes, mandatários de seus liderados, independentemente ou mesmo contra a vontade deles” (Pertence, 2011, p. 851). O parecer ainda evolui com outras considerações e conclui pela inconstitucionalidade da previsão. Talvez tenha sido essa a razão de ter sido suprimida a menção expressa ao instituto no atual regimento interno, embora, como dito, o voto de liderança continue sendo implementado na prática, sendo uma realidade no dia a dia legislativo.

Como bem observa José Paulo Sepúlveda Pertence:

41. Não obstante, é inegável que o voto de liderança é um instrumento de excepcional eficácia para vencer o problema do absenteísmo nas sessões plenárias do Legislativo. Como o problema não é novo, nem é brasileiro, mas, ao contrário, de há muito preocupa parlamentos de todo o mundo, a repulsa ao mecanismo estabelecido entre nós constitui um indício eloquente da sua incompatibilidade com os princípios cardeais, que regem o instituto do mandato legislativo. 42. Na França, durante muito tempo, o absenteísmo parlamentar justificou, apesar da veemente crítica doutrinária (cf. Duguit, Traité de Droit Constitutional, 1924, t. 4º/361 e ss.; Esmein, La République Française, 1909, p. 885 e ss.), o chamado voto por procuração, eufemismo que denominava a prática de um deputado confiar a outro as cédulas que lhe permitiam votar, em sua ausência, como se estivesse presente. […] 44. De qualquer modo, o que importa assinalar é que, ao contrário do voto de liderança, a prática francesa do voto por procuração nem dispensava um ato de vontade do deputado ausente – na entrega ao colega dos seus boletins nominais – nem o inibia do voto pessoal, se presente à sessão (Pertence, 2011, p. 850-851).

São dois os principais problemas da prática: em primeiro lugar, a violação do princípio democrático (one man, one vote), pelo qual se deve assignar a todos os votos igual valor (os votos de uns não podem valer mais que os votos de outros); e, em segundo lugar, a anulação de uma eventual dissidência individual do parlamentar. De fato, o pertencimento a grupos parlamentares não pode anular a capacidade de ação do parlamentar individualmente.

Além disso, a tendência do direito comparado – o voto por procuração foi abolido do sistema francês, por exemplo – é considerar a pessoalidade ou personalidade do voto parlamentar como princípio geral. Isso como corolário da noção de que os parlamentares recebem o mandato diretamente dos eleitores, sendo o seu exercício pessoal e intransferível.

Inclusive, este é outro argumento que Sepúlveda Pertence usa para taxar a prática de inconstitucional:

56. O voto de liderança importa na criação, por força de norma regimental, de uma representação sem mandato: o líder representa todos os deputados do seu Partido, independentemente da vontade deles, desnecessária para constituir o mandatário e – o que é mais assustador – impotente para destituí-lo, no caso concreto, do poder de voto plural (Pertence, 2011, p. 851).

Tentando sanar esse problema, o ricd prevê em seu art. 180, § 7º, que o voto do deputado, mesmo que contrarie o da respectiva representação ou sua liderança, será acolhido para todos os efeitos.

Ocorre que, como isso não vinha sendo observado na prática, o então deputado federal José Thomaz Nonô formulou ao presidente da Câmara dos Deputados a Questão de Ordem 572, de 2005, com a seguinte pergunta: “Como deve o Presidente proceder na proclamação do resultado nas votações simbólicas?”.A dúvida residia em saber se o presidente deveria seguir a orientação dos líderes, computando os votos das bancadas, ou se deveria observar a manifestação dos deputados.

Na sessão de 28 de junho de 2005, a questão de ordem foi acolhida para assentar que “o procedimento a ser observado na proclamação do resultado das votações pelo processo simbólico é o especificado no art. 185 do Regimento Interno, não sendo lícita nenhuma presunção relativa à prévia orientação das bancadas”[12]. Assim, já não se aceitaria a prática para aprovar uma deliberação com a manifestação exclusiva dos líderes partidários.

Vale registrar que a mesma dinâmica ocorre no Senado, cujo regimento interno continua prevendo expressamente o voto de liderança comentado (art. 293, inc. ii)[13], permitida a declaração de voto pessoal do parlamentar, e nas reuniões em sessão conjunta do Congresso Nacional, também com clara previsão regimental (art. 45)[14].

Com efeito, é possível que por diversas razões – sobretudo os imperativos de ordem pragmática – tais institutos continuem existindo. Assim, para não se perder o olhar realista com uma proposta sem chances de concreção na prática, a sugestão vai no sentido de que o uso desse sistema seja, ao menos, restringido. Isso impediria, por exemplo, que leis de grande repercussão fossem deliberadas por essa sistemática de “aprovação ficta” dos líderes, sem um grande número de parlamentares presentes[15].

Forçar que os parlamentares compareçam e tenham o dever de exercer o seu mandato (sem prejuízo da liberdade quantos aos meios, obviamente) funcionaria como um pequeno empurrão rumo ao estímulo dos debates e incremento da discussão e argumentação entre os parlamentares. Trata-se de mais uma tentativa de reduzir a “evasão parlamentar”.

            5. AS OBSTRUÇÕES PARLAMENTARES

Por obstruções entendem-se todas as formas, regimentais ou não, de retardar a discussão parlamentar, notadamente com o propósito de impedir que o projeto de lei seja aprovado pelas maiorias. Basicamente, são: 1) o não comparecimento ou o não registro da presença com objetivo de impedir a formação do quórum para a abertura da sessão; 2) após o início dos trabalhos, o pedido para verificação de quórum (diante de um plenário esvaziado, para encerrar os debates ou, como se costuma dizer, “derrubar” a sessão); 3) o pedido de votação nominal, nos termos do art. 189 do ricd e art. 294 do risf; e 4) a obstrução propriamente regimental (ou legítima) declarada pelo líder em processo de votação nominal (art. 13, § 2º, do risf).

Além dessas táticas principais aqui reunidas com a etiqueta “obstrução” propriamente dita, também podem ser enquadradas como obstrucionistas outras condutas parlamentares, como a inscrição de parlamentares para fazer uso da palavra, a apresentação de emendas com o propósito de tumultuar a discussão, a formulação de pedido de vista, de pedido para votação em separado, os requerimentos para a realização de audiências públicas, para colher a opinião de outra comissão ou mesmo para simplesmente adiar a discussão e votação, todas ações com o intuito meramente protelatório. Algumas dessas táticas serão analisadas de forma separada nos tópicos seguintes.

A primeira tática de obstrução (não comparecer ou não registrar a presença) não apresenta complexidades. A segunda, por seu turno, já tinha sido adiantada quando dos comentários sobre o quórum e o processo de votação simbólica. Passa-se, então, à terceira tática. Como se viu no tópico anterior, a maioria das votações é encaminhada pelos líderes, que representam as bancadas, ou pela votação simbólica, conforme consta do art. 185 do ricd e do 293 do risf, o que confere maior agilidade aos trabalhos. Deste modo, um pedido de votação nominal é um dificultador, funcionando como tática parlamentar obstrucionista.

Por fim, comente-se sobre a tática de obstrução mais importante. Tanto o ricd quanto o risf preveem a chamada “obstrução legítima”, declarada pelo líder do partido ou do bloco parlamentar, por intermédio da qual se cria uma ficção jurídica, qual seja, a retirada da presença dos parlamentares representados somente para o cômputo de formação do quórum da sessão, mesmo com sua permanência física ali em plenário. A presença dos parlamentares é considerada para os demais fins, especialmente o constante do art. 55, inc. iii, da Constituição de 1988[16].

No ricd, a “obstrução legítima” está prevista no art. 82, § 6º[17]. No risf, a figura consta do art. 13, § 2º[18]. Funciona como uma verdadeira “ausência ficta”, e precisa ser comunicada à mesa diretora para que se proceda à baixa no quórum, o que também pode acabar derrubando a sessão. Na prática, é um expediente usado pelas minorias como uma maneira de dificultar a obtenção do número mínimo de votos necessários e, assim, forçar negociações.

Em uma leitura otimista, a “obstrução legítima” é a única maneira de conseguir barganhar qualquer ponto nas discussões de um processo legislativo. Diz-se que, se a figura não existisse, provavelmente as maiorias “atropelariam”. Nesses termos, Vieira Júnior (2017) chega a considerar essa obstrução como “instrumento de concretização do direito à legítima defesa do devido processo legislativo”, um verdadeiro direito de oposição (ou de resistência) das minorias parlamentares, garantido pelos regimentos internos. Talvez em alguns casos de fato seja assim.

A previsão regimental da tática parlamentar cumpre um papel decisivo, já que, bem usada, pode implicar aperfeiçoamentos no projeto de lei, contemplando emendas das minorias, em uma deliberação verdadeiramente democrática e dialógica. No entanto, a verdade é que, na maior parte do tempo, trata-se mais de uma medida usada com caráter nitidamente protelatório, somente para fazer barulho, marcar posição, sem que efetivamente haja a intenção de aprimorar o projeto de lei em discussão. Assim como um bisturi, essa ferramenta regimentalmente disciplinada também pode ser mal-empregada.

Vale salientar que a opção de votação “obstrução” figura de forma expressa no art. 11 do Ato da Comissão Diretora 7, de 2020, que institui o Sistema de Deliberação Remota (sdr) do Senado Federal, publicado em 18 de março de 2020. Conforme comentado, o sdr é a solução tecnológica que permitirá a discussão e votação de matérias nas situações de força maior que impeçam ou inviabilizem a reunião presencial dos senadores. O sistema é positivo, mas a previsão sobre a obstrução é questionável. Explique-se.

Como se acaba de ver, em tempos de normalidade, a estratégia de “obstrução” até pode ter sua legitimidade. No entanto, o desenho institucional de procedimentos (pensados para serem usados) em tempos de crise deveria estimular a cooperação, a união de esforços, a agregação dos parlamentares em favor de uma solução conjunta. Se, por um lado, a obstrução “força” um novo debate, por outro, “atrasa” uma decisão que precisa ser tomada urgentemente. Em situações de calamidade, cada minuto faz diferença.

No sdr, em que o quórum é aferido somente na votação (art. 11, § 2º), a previsão da obstrução não terá seu efeito mais forte, qual seja, o de suspender a sessão (e debater melhor o assunto “no cafezinho”)[19]. No entanto, a opção de voto “obstrução” é a única que “nega a formação do quórum” – embora sem as consequências do art. 55, inc. iii, da Constituição – e obriga os interessados na aprovação da medida a se empenharem para alcançar os votos necessários para a formação do quórum. Como se vê, é um instrumento que, no jogo parlamentar, tem mais poder para barrar uma medida do que o voto “não”.

Ainda sobre essa modalidade regimental de obstrução, não constam registros de figuras semelhantes em outros parlamentos. Na experiência comparada, o expediente obstrucionista consiste na simples “ausência estratégica” com o objetivo de negar a formação do quórum. É interessante notar que a tática sob análise de “não se apresentar” às sessões é bastante poderosa – porque seu efeito é a paralisia dos trabalhos legislativos –, de modo que alguns sistemas chegam a prever que os parlamentares poderão ser compelidos a comparecer às sessões, como é o caso da Constituição Nacional da Argentina, na previsão de seu art. 64[20].

O regimento interno da Cámara de Diputados argentina prevê que, em caso de inassiduidade reiterada da maioria dos deputados, a minoria poderá reunir-se no recinto das sessões para acordar os meios de compelir os faltosos, embora não se diga de quais maneiras (art. 27)[21]. Por seu turno, o Regimento Interno do Senado argentino prevê a citação dos ausentes, a aplicação de multas e até a utilização de força pública caso as providências anteriores não deem resultado (arts. 27 e 28)[22].

Como se vê, longe de coibir a tática parlamentar, os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado brasileiros na verdade contemplam um verdadeiro direito parlamentar de negar a formação de quórum. Inclusive, precisamente em razão desse direito, Arballo (2009) defende a inconstitucionalidade do art. 64 da constituição argentina. Para o autor, forçar o comparecimento do parlamentar seria frustrar o exercício livre do mandato representativo, que supõe o recurso a táticas, estratégias e ações que conduzam aos respectivos ideais políticos.

Neste artigo, no entanto, prefere-se a opinião de Bentham (1991) no sentido de que a ausência dos legisladores tem como únicas consequências o atraso no funcionamento do Poder Legislativo e o benefício ao Poder Executivo, que possui os próprios meios de alcançar seus objetivos legislativos. Com isso, reprova-se a tática parlamentar da obstrução para negar quórum, vislumbrando-se nela prática perniciosa que só contraria a deliberação pública e atrapalha a consecução do bem comum.

Deve-se registrar que, quanto mais requisitos procedimentais forem necessários para aprovação de uma proposição (como o quórum qualificado, por exemplo) ou quanto maior for a pressa, mais facilidade haverá para o uso de tais mecanismos de obstrução, os quais poderiam ser considerados uma espécie de “elemento performático” da argumentação praticada dentro do Poder Legislativo.

Além das obstruções com previsão regimental, também podem ser citadas situações mais atípicas, como o episódio ocorrido no dia 11 de julho de 2017, em que um grupo de cinco senadoras ocupou a mesa (no sentido literal) que conduz os trabalhos no plenário do Senado, inclusive a cadeira do presidente da casa, impedindo o início da sessão deliberativa em que seria discutida a proposta de reforma trabalhista. O episódio acabou se tornando um verdadeiro fato político.

De acordo com o risf, havendo quórum, qualquer senador pode abrir a sessão, e foi isso que o grupo de senadoras fez, dando a palavra para discursos contra a reforma trabalhista em discussão alhures. Ao chegar o então presidente do Senado, Eunício Oliveira (pmdb-ce), para ocupar a cadeira da Presidência, as senadoras Gleisi Hoffmann (pt-pr), Lídice da Mata (psb-ba), Vanessa Grazziotin (PCdoB-am), Fátima Bezerra (pt-rn) e Regina Sousa (pt-pi) se recusaram a deixar o local ou ceder a cadeira central ao presidente.

Com isso, o presidente do Senado determinou que fossem apagadas as luzes do plenário, desligado o ar-condicionado e quase chegou a usar outro espaço para realizar a sessão, mas preferiu vencer pelo cansaço. Para desocupar o local, as senadoras queriam a garantia de que fossem votadas alterações no texto da reforma. A situação perdurou mais de seis horas. A cena foi histórica e condenada por senadores de diversos partidos. Desde aquele episódio de impedimento de uso do plenário, o Senado equipou um auditório para usar como plenário “adicional”, para ter uma alternativa na hipótese de algo semelhante voltar a acontecer.

É curioso notar que, em uma democracia, a votação das leis está entre os valores mais intangíveis, e foi justamente isso que foi impedido. Ainda que a intenção fosse discutir melhor as propostas da reforma trabalhista, o fato é que o episódio claramente se transformou em uma confusão cujo único efeito foi o bloqueio de qualquer debate. E, ainda mais grave, em uma instância denominada parlamento, cuja raiz etimológica vem justamente dos verbos “parler”, “parlare” (que significa falar, em francês e italiano, respectivamente), sendo a essência da atividade legislativa debater, não protestar dessa maneira[23].

Outras práticas performáticas também podem entrar para o catálogo das obstruções. Por exemplo, já aconteceu de parlamentares pertencentes às bancadas religiosas (evangélicas) levarem, para a sessão da comissão em que se discutiria o aborto, pequenos caixões (feitos de verdade, do tamanho para enterrar recém-nascidos) e bonecos de brinquedo (para crianças) em formato de bebês. Como se pode imaginar, a prática tumultua as discussões, representando uma tática parlamentar bastante ilustrativa da ideia contida no título deste trabalho: em lugar de argumentar, procede-se ao contrário disso.

Ainda nessa linha, outro episódio de obstrução “ilegítima” ocorreu por ocasião da votação da mesa diretora do Senado na sessão preparatória de 1º de fevereiro de 2019. Com o nítido intuito de obstaculizar o andamento dos trabalhos, a senadora Kátia Abreu (pdt-to) tirou à força e se apropriou da pasta de documentos do senador David Alcolumbre (dem-ap), que presidia os trabalhos da sessão. Na referida pasta, constavam folhas de papel impressas com todos os procedimentos e algumas sugestões de respostas, elaboradas pela assessoria, aos eventuais questionamentos surgidos durante a sessão pelos senadores. O impasse durou mais de cinco horas[24].

Por fim, cite-se a sessão da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (ccjc) da Câmara dos Deputados do dia 23 de abril de 2019. Ali, durante a discussão da reforma da previdência social, deputados da oposição também tentaram obstruir os trabalhos pondo-se de pé e cercando a mesa do deputado federal Felipe Francischini (psl-pr), presidente da ccjc, a fim de que ele não visualizasse a sala nem os demais deputados, ficando impossibilitado de conduzir os trabalhos[25].

Com isso, é possível observar que existe um verdadeiro arsenal de táticas de obstrução parlamentar.

            6. O USO TÁTICO DA PALAVRA, REQUERIMENTOS E QUESTÕES DE ORDEM

Em estratégia semelhante às obstruções que se acabam de ver, a tática em questão consiste no comportamento do parlamentar de usar todos os tempos regimentais, fazendo uso excessivo da palavra com o intuito claro de monopolizar o debate, aproveitar a notoriedade dos holofotes sobre discussões polêmicas e – mesmo no caso de serem apresentadas razões para o debate – fica evidenciado que a estratégia se volta muito mais para tumultuar do que efetivamente colaborar com a discussão.

Também conhecida como “filibusterismo”, essa técnica específica de obstrucionismo parlamentar causa estragos ainda maiores nos sistemas que não preveem um limite de tempo para os discursos, os quais podem durar horas, dias e até semanas, para impedir que o assunto em debate passe para a fase de votação. O Senado dos Estados Unidos, por exemplo, enfrenta enormes dificuldades com essa tática parlamentar: para fazer calar um “filibusteiro”, são necessários 60 votos (do total de 100 senadores)[26].

Além do uso da palavra, outro expediente é a formulação de requerimentos (para adiar a votação, retirar da pauta, conferir mais prazo etc.) e questões de ordem para esclarecimento durante a sessão (também para protelar a tramitação), feitos de forma análoga às obstruções.

A tática parlamentar citada, embora aceitável dentro do jogo político, infringe as regras da argumentação racional, pois idealmente as interações discursivas se prestam a que os falantes expressem seus pontos de vista, de forma fundamentada – isto é, articulando razões que permitam o desenvolvimento do raciocínio de todos os que tomam parte no discurso –, não para travar as discussões e atrasar a votação das leis. Esse é o comportamento típico dos parlamentares da oposição, seja qual for o seu espectro ideológico, especialmente no âmbito das comissões.

Em casos assim (de filibusteiros oposicionistas dominando o uso da palavra), a resposta estratégica da base aliada – isto é, a tática parlamentar contraposta dos parlamentares a favor da proposição (ou do governo) – é permanecer em silêncio, evitando polemizar ainda mais a discussão da matéria e para que a sessão não se alongue tanto. Se os interessados forem rebater o que foi dito ou tentar convencer do acerto da posição, nada será votado. Em casos assim, definitivamente é melhor calar-se do que falar.

Essa contraestratégia também é especialmente importante para aqueles que conduzem os trabalhos, que precisam ter paciência de sobra, impedindo a todo custo que a reunião saia de controle, pois tudo o que a oposição deseja é ver a sessão suspensa ou adiada por alguma confusão ou fazer que uma discussão mais acalorada adie os trabalhos. Para quem está presidindo, a melhor maneira de responder aos ataques que costumam ser proferidos é permanecer inerte e não aceitar as provocações.

Como adiantado, este tipo de comportamento estratégico somente pode ser entendido para além do enfoque estritamente racional-discursivo. Na arena legislativa, a interação entre os parlamentares não se dá somente nesse plano linguístico – no debate sobre o projeto de lei específico – e existem outros jogos, que por vezes estão ocultos (Tsebelis, 1998). Somente ao se conceber uma racionalidade mais ampla, incorporando a ação estratégica e a lógica política, é possível explicar o manejo das táticas parlamentares aqui em pauta.

As táticas parlamentares em questão jogam com o fator tempo. Há exemplos recentes de como essa dimensão resta evidenciada. No dia 23 de abril de 2019, foram mais de nove horas de sessão para a ccjc da Câmara dos Deputados debater a proposta de reforma da previdência social proposta pelo presidente da república. A reunião foi marcada pelas táticas parlamentares aqui comentadas e, ao fim, teve que ser encerrada quando a situação fugiu ao controle[27].

Na mesma linha, mencionem-se as sessões preparatórias para a escolha da mesa diretora do Senado nos dias 1º e 2 de fevereiro de 2019, que culminou na eleição do senador David Alcolumbre (dem-ap) como presidente. Não faltaram mostras do uso do tempo regimental para simplesmente tentar vencer o lado contrário pelo cansaço.

7. A APROVAÇÃO DE “CALENDÁRIOS ESPECIAIS” E SUPRESSÃO DOS INTERSTÍCIOS ENTRE TURNOS PARA APROVAÇÃO DE EMENDAS CONSTITUCIONAIS

Nos dois últimos tópicos foram vistas algumas táticas parlamentares de obstrução tendentes a postergar, alargar, quando não inviabilizar as discussões. Dando sequência às táticas parlamentares que manejam o uso do tempo, agora o caso é de fazer referência às tentativas de abreviar os tempos para o debate. A tática parlamentar consiste na aprovação dos chamados “calendários especiais” ou simples aprovação de supressão dos interstícios entre turnos para aprovação das emendas constitucionais. Explique-se com mais detalhes a inconstitucionalidade da tática legislativa em comento.

Conforme a previsão da Constituição da República de 1988, art. 60, § 2º, as propostas de emenda constitucional (pec) serão discutidas e votadas em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

A previsão da votação em dois turnos é o que se chama de “cláusula de resfriamento”, com vistas a evitar a aprovação de emendas à Constituição de forma açodada. A decorrência lógica da previsão é que entremeie um lapso temporal entre um turno de votação e outro e, dessa maneira, haja mais publicidade do tema, maiores chances de articulação das minorias e da oposição, bem como maior oportunidade para reflexão e debate. Em resumo, é uma questão de senso comum que as pausas podem ajudar um procedimento de decisão mais ponderado.

Na pressa, apurados com um cronograma apertado, é muito mais difícil um debate se desenvolver de forma adequada. Nessas condições, a oposição também terá maior dificuldade em se organizar. Além disso, há patente quebra do princípio da transparência e impossibilidade de a sociedade analisar, criticar e interferir no processo de mudança constitucional (Barbosa, 2010, p. 195).

Seguindo por essa linha, o risf especificou a norma constitucional que exige dois turnos de discussão e votação, estabelecendo que o primeiro turno compreende cinco sessões deliberativas ordinárias consecutivas (art. 358); que o interstício entre o primeiro e o segundo turno será de, no mínimo, cinco dias úteis (art. 362); e que o segundo turno deve ficar aberto pelo prazo de três sessões deliberativas (art. 363). Portanto, os atos legislativos deveriam cumprir tais prazos, pois são regimentais e estipulados em consonância com a Constituição.

Nada obstante tais previsões regimentais, fato é que foi se consolidando o costume de supressão dos referidos prazos regimentais, a contar da aprovação dos requerimentos de “calendário especial”, por intermédio dos quais são eliminados tais lapsos temporais. Com isso, na prática, as PEC são aprovadas em uma mesma sessão deliberativa ordinária, tendo-se chegado, inclusive, a iniciá-las e encerrá-las quase imediatamente para o preenchimento da formalidade.

Como explica Borges (2016, p. 55), os requerimentos de calendário especial não contam com previsão regimental, são aprovados por maioria simples e votação simbólica, em flagrante desrespeito ao devido processo legislativo. Sequer é exigido o acordo unânime entre líderes. Essa sobreposição da vontade ad hoc da maioria parlamentar em detrimento das regras de tramitação de uma PEC “representa transgressão direta à própria Constituição, com a restrição do debate político” (Borges, 2016, p. 56). O mesmo autor afirma ainda que:

A regularidade regimental do processo legislativo não é questão exclusivamente interna corporis do Parlamento. Os turnos e prazos da reforma constitucional consistem em patrimônios da esfera pública (normas de direito público, indisponíveis), que visam não só o indispensável amadurecimento da proposta de emenda à Constituição pelo Parlamento, mas o conhecimento da matéria pela sociedade, por meio da publicação paulatina de tramitação parlamentar (Borges, 2016, p. 61).

Nesse contexto, a inconstitucionalidade da referida tática parlamentar dispensa maiores comentários. A evidente gravidade contamina formalmente as emendas aprovadas segundo essa sistemática, que subverte a lógica do estado de direito e da supremacia da Constituição[28].

Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal (stf) chancelou a tática parlamentar mencionada, argumentando tratar-se de um tema “meramente” regimental – já que não há, na Constituição, exigência de lapso temporal mínimo entre os turnos de votação –, e, consequentemente, de natureza interna corporis, de forma que o parlamento seria “soberano” em sua deliberação. A discussão foi travada no stf por ocasião do julgamento em conjunto da adi 4.425 e adi n. 4.357[29].

A prevalecer a posição do stf, a previsão do art. 60, § 2º, da Constituição Federal, ficaria diminuída a uma formalidade numérica destituída de sentido. A ratio da norma constitucional é óbvia: permitir que as reformas constitucionais sejam discutidas em um tempo razoável, sejam maturadas, refletidas.

A escusa de que o tempo do Poder Legislativo é o tempo da política, e o dela muitas vezes não pode esperar procedimentos e prazos, não autoriza a prática de inconstitucionalidades. Mesmo porque uma das funções da atividade legislativa é justamente a de não assumir o pensamento das massas de forma imediata, irreflexiva e emocional, mas sim o de cuidar para que esses anseios, após uma discussão mais aprofundada e um pensamento reflexivo e mediato, sejam superpostos por propostas mais racionais. Este caminho (e o respeito aos tempos) ajudaria a evitar os populismos (através dos quais as massas se tornam o tirano)[30].

Para resolver o ponto, é necessário que o stf revise urgentemente o seu entendimento no sentido de que os atos legislativos calcados exclusivamente nos regimentos internos das casas legislativas são insindicáveis. Ao menos quanto aos atos baseados nessas regras regimentais – que estabelecem as regras de discussão e votação das PEC – funcionam como “normas constitucionais interpostas” (Barbosa, 2010, p. 183).

             8. OS DESTAQUES

Diferentemente da tática parlamentar anterior, a que se comenta neste tópico não apresenta maior gravidade. Por intermédio dos destaques, permite-se a supressão de dispositivos na proposição no momento em que já está sendo votada. A rigor, isso deveria ser feito no prazo próprio, qual seja, o do emendamento, no qual se oportuniza uma melhor discussão sobre as modificações ao texto da proposição e costuma implicar argumentação que justifica a modificação sugerida (inclusive, foi por essa razão que o emendamento não entrou para o catálogo das táticas parlamentares no contexto aqui defendido). Além do aspecto temporal, outra diferença entre o destaque e a emenda diz respeito a que o primeiro não inova, somente pode tratar de matéria já existente.

Há três tipos de destaques: a) para votação em separado (dvs), por intermédio do qual o parlamentar pode desagregar o texto completo (de artigo, inciso, alínea) ou mesmo expressões do texto, de modo que tal matéria seja separada do texto global para ser votada separadamente; b) o destaque supressivo (ds), pelo qual se decepa o texto já para eliminação, se obtiver a maioria necessária; e c) o destaque para constituir uma proposição autônoma, no qual o parlamentar desmembra algum texto do projeto para ser incluído, se obtiver a maioria necessária, no novo projeto (ou substitutivo) considerado “texto básico”. Na prática, no entanto, a modalidade prevista em b) – o destaque supressivo (ds) – não é utilizada, por ser bastante confusa e, consequentemente, dar problemas na aplicação (muitos parlamentares têm dificuldade de entender que, ao votar um ds, a maioria está eliminando o conteúdo da proposição, e não aprovando, como costuma ser a praxe da deliberação legislativa).

A tática parlamentar consiste precisamente em conseguir – já nesse momento avançado do processo legislativo – a maioria necessária para aprovar a proposta de supressão no texto ou a votação de algumas partes da proposição de forma separada, na tentativa de forçar mais uma rodada de negociações. É que os projetos costumam ser votados em bloco: primeiro se vota o chamado “texto básico” e, somente após, votam-se as partes destacadas. Assim, no caso do destaque para votação em separado – expediente que, para ter efeito, precisa ser formulado antes do anúncio da votação da proposição –, pode-se formar novamente uma maioria para reinserir o texto destacado, embora se crie uma dificuldade, já que a votação se estende e o passar do tempo aumenta as chances de esvaziamento do quórum.

Nesse sentido, veja-se a explicação de Inácio (2009, p. 358), para quem:

[…] o requerimento para retirar parte da proposição para ser votada em separado – o destaque para votação separada (DVS) – é outro procedimento disponível às oposições para modificar estrategicamente o contexto decisório. Uma vez adotado, o DVS aumenta o número de votações relativas à matéria e impõe aos apoiadores da parte destacada o custo de garantir o quórum necessário para a sua aprovação para que ela volte a integrar o texto principal.

Desse modo, os destaques se configuram como mecanismos regimentais que se prestam a desmembrar partes do texto da proposição em “acessórios”, tendo uma dupla consequência: em primeiro lugar, permitem o avanço da tramitação quanto às demais partes; e, em segundo lugar, oportunizam uma discussão mais “organizada” sobre o objeto de divergência, nessa etapa mais avançada do processo legislativo que é a fase de votação.

Na prática, por intermédio dos destaques, abre-se uma verdadeira possibilidade de emendamento fora de tempo. Desde uma perspectiva mais otimista, seria possível dizer que oportuniza uma maior discussão sobre um ponto polêmico. Seja como for, trata-se de um instrumento à disposição do parlamentar para tentar modificar uma proposição que está prestes a ser votada, fazendo valer o seu ponto de vista sobre a temática. O recurso aos “destaques”, portanto, guarda indiscutível natureza de tática parlamentar nos moldes aqui propostos e traz repercussões para outras manobras criativas para as encruzilhadas da elaboração legislativa, como se vê no próximo tópico.

O instrumento está expressamente disciplinado no risf, art. 312 e seguintes[31].

                  9. TÁTICAS PARA SALTOS NA TRAMITAÇÃO

No jargão parlamentar, a tramitação corresponde ao conjunto de passos regimentais necessários para a aprovação de uma proposição legislativa. É o procedimento obrigatório a ser adotado pelos projetos de leis.

A regra geral (na Câmara dos Deputados) é a existência de: a) uma fase preliminar, em que se analisa a juridicidade e a constitucionalidade da proposição, bem como as questões de técnica legislativa, a cargo da ccj da casa legislativa; e, se for o caso, o exame da proposta do ponto de vista orçamentário, verificando a compatibilidade com a loa, ldo, ppa etc.; b) uma fase de análise de mérito, no âmbito das comissões e no plenário, em que são recebidas emendas, a matéria é objeto de discussão (com eventuais audiências públicas) e votação; e c) uma vez aprovada na casa de origem, repetem-se as fases “a” e “b” na casa revisora, a qual, caso decida fazer emendas, terá de devolver a proposição à casa de origem, ou, se não houver alteração no texto, enviar diretamente à sanção presidencial. No Senado, tudo ocorre simultaneamente, não há parecer preliminar.

Conforme o art. 258 do risf, havendo em curso no Senado duas ou mais proposições regulando a mesma matéria é lícito promover sua tramitação em conjunto a contar de requerimento de comissão ou de senador, mediante deliberação da mesa diretora. Se o requerimento de tramitação conjunta recair sobre proposições que já tenham parecer aprovado em comissão ou que, mesmo sem tê-lo, já constem da ordem do dia, a decisão ficará a cargo do plenário. Despacho do presidente do Senado também pode autorizar a tramitação conjunta, nos termos do art. 48, § 1º. No ricd, a tramitação conjunta é disciplinada pelo art. 142.

A consequência prática da tramitação em conjunto é a reunião das proposições em um único volume (os processados são apensados) e, a contar desse momento, tramitam como se fossem uma só, aproveitando os atos de apreciação nas comissões, pareceres e apreciação em plenário por onde passarem.

São estabelecidas regras de prioridade: a) o projeto mais antigo tem preferência sobre o mais recente; b) os que regulam a matéria de modo mais amplo predominam sobre os mais restritos; c) no Senado, os projetos oriundos da Câmara dos Deputados antecedem aos da própria casa e, na Câmara, acontece o contrário, as proposições do Senado prevalecem sobre as da Câmara; d) na Câmara, dos projetos do Poder Executivo são prioritários aos da própria casa.

O risf, art. 260, § 1º, estabelece que o regime especial de tramitação de uma proposição estende-se às demais que lhe estejam apensadas. Com isso, se uma das proposições apensadas estiver tramitando em regime de urgência, tal tramitação é automaticamente estendida a todas as demais.

Esse regramento permite algumas táticas parlamentares. Na hipótese de uma proposição sujeita a deliberação terminativa (isto é, cuja votação dispensa a competência do plenário) no âmbito das comissões ser apensada a outra sujeita ao plenário, a aprovação do requerimento de tramitação em conjunto tem o efeito de retirar o caráter terminativo, e ambas seguirão para o plenário. Com essa tática, como se vê, pode-se alterar completamente o rumo da proposição, modificando, inclusive, a arena em que se dá o debate.

Da mesma forma, se um projeto de lei recém-apresentado for apensado a uma proposição em estágio mais avançado, a mais antiga passará a ter a tramitação da mais recente. Nos termos do art. 260, inc. i, do risf, não haverá “incorporações”, de forma que a tramitação mais antiga não se espelha no projeto de lei mais recente. No entanto, as discussões para a modificação do risf, estabelecerá que, com a tramitação em conjunto, a proposição mais recente poderá simplesmente seguir a tramitação da mais antiga e saltar diversas etapas.

Foi com base nessa tática parlamentar que foi aprovado o Projeto de Lei do Senado – pls 470, de 2018, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (rede-ap), para alterar a Lei 9.605/98 para elevar a pena do crime de maus-tratos a animais e estabelecer punição financeira para os estabelecimentos comerciais que concorrerem para essa prática. Apresentado no dia 5 de dezembro de 2018, e aprovado no dia 11 do mesmo mês, o pls teve sua tramitação acelerada com o requerimento de tramitação em conjunto com o Projeto de Lei da Câmara – plc 27, de 2018, que tratava de matéria correlata, e tramitava em regime de urgência[32].

Tática parlamentar semelhante permite a inclusão na ordem do dia de matéria que ainda não esteja devidamente instruída. Pela autorização do risf, art. 172, inc. i[33], uma das normas mais importantes do regimento interno, se a proposição estiver parada na comissão e já tiver escoado o prazo regimental para o parecer por parte dessa, basta um simples requerimento com base na norma regimental em referência, devidamente aprovado pelo plenário, para afetar o projeto de lei imediatamente ao plenário.

No final de 2018, foi precisamente essa a tática parlamentar utilizada para aprovar sem barulho o reajuste no valor do teto constitucional. O plc 27, de 2016, foi aprovado pelo Senado em 7 de novembro de 2018, e se converteu na Lei 13.752, de 26 de novembro de 2018. O plc sob análise tinha sido recebido no Senado desde 8 de junho de 2016; aprovado na ccj em agosto de 2016; na sequência, o projeto de lei foi enviado ao plenário para atender ao pedido de urgência; em fevereiro de 2017, o plc foi encaminhado à Comissão de Assuntos Econômicos (cae), e aí ficou o ano inteiro. Com base no requerimento formulado em 6 de novembro de 2018, com fundamento no risf, art. 172, inc. i, de autoria do senador José Maranhão, a matéria foi incluída em pauta e votada no mesmo dia 7 de novembro de 2018[34].

Também entra para a categoria de táticas parlamentares voltadas para burlar a tramitação a que ficou conhecida como “contrabando legislativo” ou inserção de “jabutis”, hoje considerada inconstitucional. Tratava-se da prática parlamentar – especialmente no âmbito das comissões mistas – de inserir emendas nos projetos de lei de conversão de medidas provisórias editadas pelo presidente da república.

As emendas “jabutis” frequentemente não atendiam à exigência de pertinência temática e tinham o claro propósito de “pegar carona” na tramitação abreviada da aprovação das medidas provisórias, com menos chances de discussão e alteração, dado o prazo constitucional de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, nos termos do art. 62, § 3º, da Constituição de 1988. A prática se dava em desrespeito à própria Resolução 1, de 2002, do Congresso Nacional, que dispõe sobre o rito de apreciação das medidas provisórias, cujo art. 4º, § 4º[35], proíbe a apresentação de emendas sobre matérias estranhas à medida provisória.

Por ocasião do julgamento da adi 5.127, o stf declarou inconstitucional a inserção de emendas sem pertinência temática no processo legislativo de conversão das medidas provisórias em lei.

Com base na declaração de inconstitucionalidade, o presidente do Senado adotou a prática de excluir os “jabutis” que continuam sendo inseridos pela Câmara dos Deputados ou comissão mista. No entanto, ainda não foram estabelecidos critérios objetivos para definir quais emendas se encaixam nessa definição, pois mesmo o que se entende por “pertinência temática” pode trazer uma abertura semântica bastante ampla.

A avaliação do que deve ser excluído tem sido subjetiva, por parte do próprio presidente da Câmara dos Deputados, que impugna de ofício. No Senado, a praxe é a provocação partir de algum senador e a decisão final é submetida ao plenário, mesmo que tenha de ser tudo combinado pelo próprio presidente (que pede para um senador encampar a iniciativa), como forma de repartir o ônus político da exclusão da emenda. No papel de casa revisora, tais casos não retornam para a Câmara dos Deputados.

Os “jabutis” tinham o claro propósito de burlar o procedimento legislativo ordinário. O apelido dessa prática veio do adágio popular de acordo com o qual “jabutis não sobem em árvore. Se lá estão, ou foi enchente ou mão de gente”. Assim, é usado para ilustrar que, por trás de uma situação inusitada (inserção de uma emenda estranha à matéria discutida) há uma explicação, seja uma hipótese mais remota extraordinária, seja a interferência de outros fatores, mais especificamente a clara atuação de alguém com o propósito de converter a proposição normativa em lei sem chamar a atenção e sem muita discussão.

Considerando o novo contexto após a tática parlamentar dos jabutis ter sido declarada inconstitucional, Van Der Laan (2018) constatou que de fato a quantidade de emendas dispondo sobre matérias “totalmente estranhas” diminuiu, mas seguiram sendo apresentadas emendas “conexas” com as matérias veiculadas em medidas provisórias.

A conclusão do autor é que a prática parlamentar ainda precisa convergir mais e aderir ao modelo legislativo constitucional consagrado na decisão do stf. Para ajudar, propõe uma adaptação regimental, prevendo uma análise de admissibilidade inicial das emendas parlamentares, o que seria feito com base em parecer técnico da consultoria legislativa, com a vantagem de também diminuir o constrangimento dos relatores, nas comissões mistas, em não acatar emendas de seus pares quando eivadas de baixo grau de pertinência temática.

Ainda dentro das táticas para dar saltos na tramitação, importa mencionar a chamada “doutrina Temer” e, na sequência, a estratégia usada para burlá-la.

De acordo com o art. 62, § 6º, da Constituição Federal, com redação dada pela ec 32/01, a partir do 45º dia de sua publicação, a medida provisória editada pelo presidente da república passa a “sobrestar” as demais deliberações no Poder Legislativo onde estiver tramitando[36]. Trata-se do trancamento da pauta de votações até que seja finalizada a apreciação da medida provisória respectiva. O artifício veio no bojo das modificações quanto ao rito das medidas provisórias trazidas pela ec 32/01, ao lado da proibição para reedição desses atos e da criação da comissão mista, com o objetivo de obrigar o Congresso Nacional a se manifestar sobre as medidas provisórias.

Com a novidade sob análise, um dos grandes efeitos não esperados da ec 32/01, foi o de que a pauta do Poder Legislativo passou a viver trancada. O problema se arrastou até quando, na Questão de Ordem 411, de 2009, o então deputado federal Régis de Oliveira, formulou a seguinte pergunta: “Quais são as matérias abrangidas pela expressão ‘deliberações legislativas’ para os fins de sobrestamento da pauta por medida provisória nos termos da Constituição?”. Com o questionamento, levantou a tese de que o trancamento do art. 62, § 6º, da Constituição Federal, não alcançaria todas as matérias a cargo do Poder Legislativo.

Em resposta à referida questão de ordem, o então presidente da Câmara dos Deputados, o deputado federal Michel Temer apresentou a interpretação no sentido de que, se a medida provisória é um instrumento que somente pode dispor sobre temas atinentes a leis ordinárias, então apenas os projetos de lei ordinária que tenham por objeto matéria passível de edição de medida provisória estariam por ela sobrestados. Com esse entendimento, a “doutrina Temer” considerou que não estariam sujeitas às regras de sobrestamento: 1) as propostas de emenda à Constituição; 2) os projetos de lei complementar; 3) os decretos legislativos e as resoluções; e 4) as matérias elencadas no art. 62, § 1º, inc. i, da Constituição Federal[37].

A interpretação em causa pode ser considerada um verdadeiro processo informal de mudança constitucional, já que, na prática, conferiu ao texto do art. 62, § 6º, da Constituição Federal, um alcance diverso (menos abrangente) em relação ao sentido que vinha sendo praticado até então, sem qualquer procedimento legislativo para a reforma do texto.

A decisão do presidente Michel Temer se baseou em três ordens de argumentos: em primeiro lugar, o argumento político, no sentido de que se vivia uma “paralisia legislativa” acarretada pelo trancamento da pauta; em segundo lugar, o argumento jurídico, pois, em sendo as medidas provisórias uma exceção ao princípio de que compete ao Poder Legislativo legislar, o instituto mereceria uma interpretação restritiva; e, em terceiro lugar, o argumento sistêmico, considerando-se que a regra sobre o sobrestamento da pauta deveria ser interpretada em conjunto com os outros dispositivos do texto constitucional. Este último argumento avança para positivar que a Constituição previu a igualdade entre os poderes, de maneira que um deles não pode ter atuação política e juridicamente superior à de outro, com o direito de controlar totalmente a sua pauta.

Nesses termos, a “doutrina Temer” consignou por “deliberações legislativas sobrestadas” somente as ordinárias e desde que não versem sobre as matérias proibidas para as medidas provisórias. Na prática, a nova interpretação implicou o seguinte: a) as medidas provisórias apenas trancam a pauta das sessões ordinárias, mas suspendem a pauta das sessões extraordinárias; b) as medidas provisórias somente podem sobrestar proposições de matérias que podem ser veiculadas via medida provisória, excluindo-se, porquanto, tudo o que não pode ser tratado por esse instrumento (art. 62, § 1º, da Constituição).

Assim, pouco a pouco, a pauta foi sendo aberta, e logo o Senado também acolheu que o trancamento tampouco alcança a aprovação de autoridades (art. 52, incs. iii e iv da CF/88) nem impede o Congresso Nacional de apreciar as concessões de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 223 da cf/88)[38], já que se trata de mera fiscalização de ato do Poder Executivo. Além disso, fixou o entendimento de que o sobrestamento da pauta por outra urgência constitucional (art. 64, § 2º, da cf/88)[39] não obsta a votação das medidas provisórias.

Com essa interpretação, tem-se que a “doutrina Temer” respaldou algumas táticas parlamentares para saltar o trancamento da pauta, por exemplo, a inserção de um tipo penal ao fim do projeto de lei somente para que a proposição não fique sobrestada, já que é vedado editar medida provisória sobre direito penal, com base no art. 62, § 1º, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal. Por vezes, a matéria sequer guarda relação com temas penais.

Na mesma linha, outra tática parlamentar ensejada pela “doutrina Temer” consiste em abrir uma sessão extraordinária para fugir do trancamento da pauta da sessão ordinária e, assim, deliberar sobre matérias. Inclusive, essa possibilidade foi expressamente fixada na resposta dada à Questão de Ordem 2, de 2010, do Senado[40], que viabilizou a convocação de sessão extraordinária com pauta própria, o Projeto de Lei Complementar 58/10, o Projeto Ficha Limpa.

Para finalizar, um último detalhe sobre a “doutrina Temer”. Ainda em 2009, os então deputados federais Carlos Fernando Coruja Agustini, Ronaldo Ramos Caiado e José Aníbal Peres de Pontes ajuizaram o Mandado de Segurança 27.931 para impugnar a nova interpretação dada. O ministro relator do Supremo, Celso de Mello, conheceu o pedido, por entender que existia controvérsia constitucional, mas indeferiu a liminar, sob o argumento de que

a interpretação dada pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados ao § 6º do art. 62 da Constituição da República, ao contrário, apoiada em estrita construção de ordem jurídica, cujos fundamentos repousam no postulado da separação de poderes, teria, aparentemente, a virtude de fazer instaurar, no âmbito da Câmara dos Deputados, verdadeira práxis libertadora do desempenho, por essa Casa do Congresso Nacional, da função primária que, histórica e institucionalmente, sempre lhe pertenceu: a função de legislar (Brasil, 2009).

Assim, para propiciar o regular desenvolvimento dos trabalhos legislativos no Congresso Nacional, e desafogar a pauta legislativa, o stf acatou que a interpretação era necessária. Após oito anos, em 2017, o tribunal, por maioria, indeferiu o mandado de segurança e chancelou a constitucionalidade da interpretação conferida pela “doutrina Temer”.

             10. O “FATIAMENTO” DAS PROPOSTAS DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

A tática parlamentar em referência exige uma lembrança sobre as regras que disciplinam a reforma constitucional.

A adoção do sistema bicameral na Constituição de 1988 condicionou a aprovação de uma emenda à Constituição a que a proposta seja discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros (art. 60, § 2º, da cf/88). Como visto, estabeleceu-se, assim, não só um quórum de votação, mas também a quantidade mínima de turnos de discussão e a ausência de hierarquia entre casa iniciadora e casa revisora (existente no processo legislativo das demais espécies normativas).

A necessidade de que haja aprovação da proposta de emenda constitucional (pec) por ambas as casas institui, na prática, um procedimento apelidado de “ping-pong”, isto é, cada vez em que a proposta de emenda constitucional é alterada em uma das casas, precisa voltar para a outra casa para a respectiva aprovação. Esse vai e vem pode se prolongar ad infinitum. Como observam Figueiredo e Limongi (1999):

A matéria precisa ser aprovada separadamente nas duas Casas, cumprindo rigorosos prazos regimentais nas diferentes instâncias de apreciação, e a deliberação final se dá em dois turnos de votação. O Senado Federal não assume uma mera função revisora, como ocorre nas matérias ordinárias, uma vez que o mesmo texto deve ser aprovado, em dois turnos, em ambas as Casas. Assim, teoricamente, não há limite para o número de vezes que a matéria pode passar de uma Casa para a outra (Figueiredo; Limongi, 1999, p. 198).

Para que não se demore muito tempo com as discordâncias e se aproveite imediatamente a parte da proposta em que há acordo, uma solução criativa resolveu o impasse: o “fatiamento” da pec, viabilizado pela aprovação de um “destaque para elaboração de proposição autônoma”, retirando do texto principal a parte controvertida. Com isso, a parte sobre a qual há consenso (a não modificada, já aprovada em dois turnos em cada casa) é promulgada, ao passo que a parte modificada retorna à outra casa sob a forma de uma nova pec, apelidada “paralela”.

Pode-se dizer que o primeiro precedente que ensejou essa prática se deu logo da discussão da Emenda Constitucional 3, de 1993, durante a votação em que foram destacadas partes para votação em separado que acabaram sendo rejeitadas no Senado, o que levou à promulgação do texto sem tais trechos. Naquela ocasião, não se chegou a formar uma pec paralela, mas ficou a ocorrência que foi relembrada quando da tramitação da proposta que ensejou a ec 20, de 1998, que promoveu uma reforma da previdência social, e, depois, novamente para as emendas constitucionais 21, de 1999; 37, de 2002; 41, de 2003, que consolidou a tendência de “fatiamento” (Santana, 2004).

Como bem observa Santana (2004, p. 29), a alternativa do fatiamento, além de viável, é útil especialmente nos casos de “propostas vultuosas e intrincadas, cuja aprovação integral demandaria imenso esforço e comprometeria a apreciação mais minuciosa de dispositivos polêmicos”. Para a defesa da tática parlamentar em tela, o autor usa o seguinte argumento:

A apreciação de uma proposta de emenda à Constituição é processo que exige zelo e minúcia, caracteres incompatíveis com a natural brevidade requerida quando surge a necessidade de mudar o texto da Lei maior. […] O processo legislativo deve refletir esse jogo. As fontes normativas do processo, Constituição e regimentos, estabelecem as regras, enquanto os caminhos são trilhados pelos parlamentares, seus executores, que delas não se devem por nada distanciar. O conhecimento da aplicabilidade dessas regras é o segredo para encontrar soluções que superem impasses e busquem a convergência necessária para a realização de seus intentos (Santana, 2004, p. 29).

Embora não conte com previsão constitucional nem esteja escrito nos regimentos, o “fatiamento” da pec foi chancelado pelo stf, corretamente, em diversas oportunidades: adis 2.031; 2.666; 3.367; 3.472[41]. A promulgação da “parte incontroversa” de uma emenda constitucional é providência que se impõe precisamente para evitar as táticas parlamentares obstrutivas.

O ponto negativo da tática parlamentar em análise reside na realidade do que acontece com a pec “paralela”: na maioria dos casos, dificilmente a tramitação avança e, na prática, é quase uma rejeição, sem a devida discussão dos aspectos polêmicos da matéria e sem a aplicação da consequência estabelecida no art. 60, § 5º, da Constituição Federal, como será explicado no próximo tópico[42].

11. A SUPERAÇÃO DA IRREPETIBILIDADE DOS PROJETOS REJEITADOS EM SESSÃO LEGISLATIVA

   De acordo com o art. 60, § 5º, da Constituição da República de 1988, a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa[43]. O dispositivo constitucional em tela institui o chamado princípio da irrepetibilidade, cujo objetivo é evitar a reapresentação de projetos de lei já rejeitados na mesma sessão legislativa. Trata-se de colocar um fim, ainda que provisório, às discussões, para que o restante da pauta legislativa possa avançar.

A tática parlamentar aqui enfocada consiste em burlar a proibição constitucional da seguinte forma: no lugar de submeter o texto principal para votação, apresenta-se um substitutivo, o qual, sendo rejeitado, implicaria a rejeição apenas da referida emenda substitutiva, não da matéria propriamente dita (o “texto básico”). Em outras palavras, tenta-se aprovar a matéria primeiro sob a forma de um “balão de ensaio”, nos termos de um substitutivo (ou emenda aglutinativa). Funciona como um “teste”.

Se o substitutivo for aprovado, não há problemas, seus efeitos jurídicos são o de uma emenda constitucional para todos os fins. No entanto, se o caso for de rejeição dessa emenda substitutiva, contorna-se a irrepetibilidade com o entendimento de que não afeta a matéria originária, a despeito da similaridade e quase identidade de conteúdo. Aí reside o problema, pois a tática de votar primeiro a pec substitutiva serve justamente para burlar a irrepetibilidade determinada pela Constituição.

A consequência dessa tática parlamentar é a permissão a contrario para que se tenha uma nova chance de articular os apoios necessários à aprovação de uma pec mais polêmica[44]. A tática parte de uma interpretação regimental no sentido de que o descarte do acessório não pode ser tomado como o do principal, muito embora ambos versem sobre a mesma matéria.

Embora a regra constitucional seja clara, e a tática parlamentar viole flagrantemente o disposto no art. 60, § 5º, da Constituição, o stf a chancelou em mais de uma ocasião, como no julgamento dos mandados de segurança 22.503[45]; 33.630; e 33.697.

Sobre o ponto, além de enfatizar o equívoco do stf em conferir tratamento diferenciado às figuras em questão (emendas aglutinativa ou substitutiva, conforme o caso, e a proposta originária), convém ressaltar a incoerência com entendimento mais recente esposado por ocasião do julgamento das adis 6.172; 6.173; e 6.174, todas relatadas pelo ministro Roberto Barroso. Explique-se a discussão envolvida nessas ações.

A proibição de reapresentação de projetos rejeitados alcança não só a reforma constitucional (art. 60, § 5º, da cf/88), mas também os projetos de lei em geral, nos termos do art. 67 (“A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional”), inclusive a edição de medidas provisórias, conforme expressamente estatui o art. 62, § 10, de acordo com o qual é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

As três adis (ajuizadas, respectivamente, por Rede Sustentabilidade, pelo Partido dos Trabalhadores – pt – e pelo Partido Democrático Trabalhista – pdt) se voltavam contra a Medida Provisória 886, de 2019, sob o argumento de que alguns de seus dispositivos reeditavam matéria objeto da mp 870, de 2019, que teria sido “rejeitada” pelo Congresso. Haveria, portanto, violação ao art. 62, § 10, do texto constitucional.

Ocorre que, compulsando o processo legislativo da mp 870, de 2019, observa-se que não houve propriamente uma “rejeição” da matéria oriunda do Poder Executivo, mas sim a aprovação de uma emenda supressiva do tema[46], por ocasião da conversão da mp na Lei 13.844, de 18 de junho de 2019. O efeito prático até pode ser parecido – a retirada do texto –, mas há diferença substancial entre rejeitar expressamente e simplesmente aprovar emenda supressiva, removendo o ponto da discussão, em um juízo superficial de oportunidade e conveniência para não o discutir naquele momento.

Ocorre que, ao acolher a argumentação dos requerentes nas adis mencionadas, na prática, o ministro Barroso equiparou a aprovação de emenda supressiva à rejeição expressa para fins de aplicação do art. 62, § 10, entendendo que estaria maculada de inconstitucionalidade a mp 886, de 2019, na parte em que trazia matéria objeto de emenda supressiva no âmbito da mp 870, de 2019. Desnecessário comentar a incongruência do tratamento dado às emendas nas referidas adis com o dado nos citados mandados de segurança 22.503, 33.630 e 33.697.

12. AS TÁTICAS NAS COMISSÕES

Em 1791, Bentham (1991) defendia que, quanto mais numerosa for uma assembleia, menos será idônea para certas tarefas. Assim, dividindo o parlamento em comissões, seria possível multiplicar e conseguir os fins que conseguiria o corpo inteiro. Portanto, as comissões são órgãos fracionários do Poder Legislativo, essenciais para o funcionamento dos trabalhos parlamentares.

No Brasil, somente com o advento da Constituição de 1988 determinou-se a obrigatoriedade de as casas legislativas manterem comissões permanentes e temporárias (art. 58)[47], embora sua existência já formasse parte da prática legislativa, constando, inclusive, dos regimentos internos. Outra inovação trazida pelo texto constitucional foi a possibilidade de as comissões votarem projetos de lei em caráter terminativo (ou seja, sem necessidade de votação pelo plenário), salvo em caso de recurso de um décimo dos membros da casa respectiva.

Considerando-se o poder que têm, dependendo especialmente da composição – isto é, dos seus membros –, as comissões por onde passam os projetos de leis podem funcionar como verdadeira “pedra no sapato” de um projeto de lei. Assim comenta Casseb (2008):

Se houver receio, por parte do Executivo, do resultado da apreciação do texto de seu interesse, por determinada comissão permanente, especialmente nas hipóteses em que muitos de seus componentes, ainda que da base aliada, não se enquadrem como parlamentares fiéis aos propósitos governistas, o Executivo poderá́ pressionar o presidente da Casa, tentando direcionar a distribuição da proposição para mais de três comissões, o que daria causa à convocação de comissão especial (Casseb, 2008, p. 316).

Especialmente após o julgamento da adi 4.029[48], em que o stf determinou a efetiva implantação das comissões mistas encarregadas de apreciar as medidas provisórias, conforme o art. 62, § 9º, da Constituição da República de 1988[49], o funcionamento das comissões se tornou ainda mais estratégico[50].

Há várias táticas parlamentares envolvendo o uso das comissões. A sugerida por Casseb (2008, p. 316) encontra expressa previsão regimental no art. 34, inc. ii, do ricd[51] (o risf não traz norma semelhante) e consiste na criação de uma comissão especial, de forma a fugir da tramitação lenta e possivelmente mais desgastante por mais de três comissões. Outra tática equivaleria ao contrário dessa: determinar que o projeto de lei passe por diversas comissões e seja retardado. O uso depende do propósito do parlamentar interessado.

Além disso, outra tática parlamentar de que se vale o governo é a “escolha” da comissão, especialmente nos casos de medidas provisórias. Como essas comissões são mistas, formadas por parlamentares das duas casas legislativas, a Resolução 1, de 2002, do Congresso Nacional, estabeleceu que são compostas por 12 deputados federais e 12 senadores (art. 2º, § 1º) e fixou que será observado o critério de alternância entre as casas para a presidência das comissões mistas constituídas para apreciar medidas provisórias, devendo o relator ser designado pelo presidente entre os membros da comissão pertencentes à casa diversa da sua (art. 3º, § 1º).

Nesse contexto, não é preciso muita imaginação para antever que o Poder Executivo faz cálculos prévios na hora de enviar uma medida provisória importante, podendo alterar a ordem de apresentação dos textos, com vistas a que seja distribuída para uma comissão mais “governista” e menos “opositora”, conforme a perspectiva da Presidência da comissão mista por um deputado ou um senador.

 13. O ACORDO DE LÍDERES

O risf traz uma curiosa norma que permite a superação pontual de quaisquer normas regimentais por acordo de líderes. É o dispositivo do art. 412, inc. iii:

Art. 412. A legitimidade na elaboração de norma legal é assegurada pela observância rigorosa das disposições regimentais, mediante os seguintes princípios básicos: […] III – impossibilidade de prevalência sobre norma regimental de acordo de lideranças ou decisão de Plenário, exceto quando tomada por unanimidade mediante voto nominal, resguardado o quórum mínimo de três quintos dos votos dos membros da Casa.

Embora o dispositivo expressamente preveja a unanimidade tomada por voto nominal, na prática, tem bastado o mero compromisso entre os líderes. A lógica por trás desse instrumento é a dos acordos “de cavalheiros”, não escritos: como todos estão concordes, raramente são descumpridos.

Trata-se de uma superação hic et nunc da regra regimental para uma situação particular, que não gera precedente, não adquire qualquer força obrigatória para episódios semelhantes, nem retira a validade e eficácia do regimento para outras situações futuras.

Nesses termos, o acordo entre líderes dos partidos políticos ou bancadas parlamentares pode versar sobre qualquer matéria regimental, muito embora os acordos mais comuns versem sobre as modalidades e os processos de votação das matérias, precedência nas votações, a prioridade de determinadas matérias sobre outras. Nos últimos tempos, como se acaba de ver, os acordos dessa natureza também aprovam os calendários especiais para supressão dos interstícios entre turnos das PEC.

Deve-se esclarecer que não é necessário que a decisão seja tomada pelo “colégio de líderes”. Esse órgão, presente na estrutura regimental da Câmara dos Deputados (ricd, art. 17, inc. i, alínea “s”)[52], e informalmente no Senado, é ouvido para a formação da agenda legislativa, organização da ordem do dia, escolha das proposições que serão votadas. Não se deve confundir, portanto, um acordo de líderes com uma decisão acordada no colégio de líderes.

O acordo de líderes nos moldes aqui referidos, bem como a atuação das lideranças, inclusive para além das previsões regimentais, é uma realidade, cujo estudo mereceria um capítulo à parte. Os regimentos internos preveem uma série de prerrogativas a cargo dos líderes, de modo que a atuação deles pode ser determinante para os rumos das decisões legislativas – por exemplo, na indicação de membros, relatores, presidentes de comissões, subcomissões etc., centralizando determinadas negociações e articulando interesses como instâncias intermediárias entre os parlamentares e os dirigentes da mesa diretora ou mesmo o Poder Executivo (para os líderes dos partidos da coalizão).

 14. O SILÊNCIO OU A INÉRCIA PARLAMENTAR

Por fim, deve-se citar a mais óbvia tática parlamentar em consonância com o título deste trabalho: o silêncio ou a inércia parlamentar. A rigor, embora não sirvam para aprovar leis, indiscutivelmente ambos são uma forma de legislar, pela rejeição tácita de propostas de modificação do ordenamento jurídico, implicando a manutenção do status quo. Nesse sentido, o silêncio é legítima manifestação de vontade do Poder Legislativo, especialmente em se tratando das medidas provisórias. A tática parlamentar silenciosa acabou se impondo por razões de economia processual parlamentar, diante do uso hipertrofiado das medidas provisórias pelo presidente da república.

De acordo com o art. 62, § 3º, da Constituição Federal, se não forem convertidas em lei no prazo constitucionalmente estabelecido, as medidas provisórias perderão sua eficácia desde a edição. Trata-se de uma rejeição tácita, cuja consequência é a irrepetibilidade relativa, nos termos do art. 62, § 10, da Constituição: fica proibida a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. Diz-se relativa porque fica franqueada a possibilidade de a matéria ser submetida ao Poder Legislativo na mesma sessão legislativa via projeto de lei ordinário, diferentemente da irrepetibilidade absoluta do art. 60, § 5º, da Constituição, por exemplo.

Vale registrar que até o advento da ec 32/01, o silêncio parlamentar não era tão eficaz como estratégia, pois não atraía a mencionada irrepetibilidade e, além disso, na prática, era justamente a inércia parlamentar o que acabava permitindo a reedição sucessiva das medidas provisórias. Assim, pode-se dizer que foi a ec 32/01 a responsável pela institucionalização da tática parlamentar do silêncio, que confere aos parlamentares um elevado poder de barganha, dados seus efeitos gravosos para a dinâmica legislativa (a irrepetibilidade).

No caso das medidas provisórias, o art. 62, § 3º, da Constituição determina ainda que, com o decurso de prazo sem aprovação, o Congresso Nacional deve editar decreto legislativo disciplinando as relações jurídicas decorrentes da medida provisória não convertida em lei. Pelo § 11, não editado esse decreto no prazo de 60 dias após a perda da eficácia, mantém-se o regramento estabelecido pela medida provisória para as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência. Assim, novamente tem-se o silêncio parlamentar gerando efeitos jurídico-legislativos.

A despeito da constitucionalidade da tática parlamentar sob análise, após tudo o que já foi exposto, parece desnecessário enfatizar que seu uso vai na contramão do ideal de justificação das decisões legislativas, também em casos de não aprovação de propostas de nova legislação, como são as medidas provisórias, editadas pelo presidente da república. Em geral, a tática poupa os parlamentares do desgaste de aprovar medidas impopulares veiculadas pelo presidente da república, fazendo parte do rol de comportamentos estratégicos aqui listados.

CONCLUSÕES

Neste trabalho viu-se que as táticas parlamentares veiculam manobras estratégicas dos legisladores durante o processo de elaboração das leis com o objetivo de mudar o curso de ação e influenciar a decisão legislativa. O comportamento estratégico decorre das interações humanas e é esperado em praticamente todos os contextos. No processo de elaboração das leis não ia ser diferente. Mapear esses artifícios estratégico-comportamentais, discutindo possíveis anacronismos dos regimentos internos das casas legislativas e os efeitos de certas normas é um caminho possível para explicar com mais fidedignidade o que se passa na arena parlamentar para a aprovação das leis.

Com frequência, esses movimentos não discursivos e suas reações, também no plano estritamente prático, contrariam o ideal de intercâmbio de razões que deveria permear a argumentação legislativa, pois o “comportamento” acaba substituindo o “argumento”. Como se explicou, essa dinâmica, pontualmente, representa um desserviço à construção de um estado constitucional, em que a praxe deve ser a de dar e pedir razões para as decisões. No entanto, algumas táticas parlamentares são ambivalentes e podem contribuir para o devido processo legislativo e resultar no aperfeiçoamento da deliberação parlamentar.

Com esse norte, além de apresentar uma noção de “táticas parlamentares” aqui empregada e sustentar a relevância desses expedientes para uma compreensão abrangente da decisão legislativa, este trabalho ofereceu um rol não exaustivo dessas táticas, com uma exposição sistemática, problematizando a respectiva legitimidade, analisando-as do ponto de vista ético, juntamente com os impactos na racionalidade da decisão legislativa.

Como se viu, de modo completamente contraditório, justamente quando as leis mais precisam de maior justificação, uma das melhores estratégias para garantir a aprovação poderá ser simplesmente o silêncio dos parlamentares interessados: autores, relatores, presidentes que conduzem os trabalhos nas comissões, no plenário etc. Nesse cenário, o desejado caráter dialético das discussões legislativas cede espaço ao puro pragmatismo político.

Ao longo do trabalho, sugeriu-se a necessidade de diversos ajustes no desenho institucional do processo legislativo, por exemplo, o fim da votação simbólica, a limitação de algumas dessas estratégias parlamentares nitidamente protelatórias – e que simplesmente buscam evadir a discussão dos temas e impedir a aprovação das leis –, a eliminação da obstrução “legítima” dos regimentos internos em determinadas situações, a proibição da aprovação de calendários especiais para a supressão dos interstícios entre os turnos de votação das pecs, com o propósito de incrementar o nível das razões dadas pelos legisladores para a aprovação das medidas legislativas.

Na análise, mostrou-se que os diversos mecanismos parlamentares de obstrução, regimentais ou não, acabam induzindo os interessados na aprovação de medidas legislativas a recorrerem a “contratáticas parlamentares” perversas – seja o silêncio, seja o abreviamento das discussões, atropelando as normas constitucionais e os direitos das minorias –, o que claramente vai na contramão do ideal regulativo para o funcionamento de um parlamento e para a argumentação legislativa.

Como oportunamente explicado, a despeito de sua relevância, a dimensão comportamental dos parlamentares e a influência dessas ações para a decisão legislativa não é devidamente captada pelo enfoque estritamente argumentativo-discursivo. Inclusive, essa perspectiva poderia acabar rotulando de irracionais opções parlamentares que, na verdade, fazem muito sentido quando inseridas na perspectiva da lógica da política, ainda que sua utilização se dê de forma oculta ou não deliberada.

No estudo, não se pretendeu condenar o emprego das táticas parlamentares, muito embora tenha sido necessário pontuar flagrantes inconstitucionalidades. A ideia foi a de chamar a atenção da sua existência, porquanto estão inseridas na atividade legislativa e eventualmente podem sinalizar problemas na coordenação parlamentar necessária no presidencialismo de coalizão.

É bem verdade que o eventual déficit argumentativo acarretado pelo uso de algumas das táticas parlamentares não necessariamente contaminará o produto final, a lei aprovada, pois uma das características da argumentação no parlamento é precisamente a dissociação entre as razões dadas e o texto final aprovado. A falta de argumentação durante a elaboração, insista-se, não macula a validade das leis. A despeito disso, mostrou-se que algumas táticas parlamentares acarretam distorções no procedimento legislativo, devendo ser limitadas, em favor do aperfeiçoamento do devido processo de deliberação das leis.

13 Táticas parlamentares para aprovação das leis/doutrina, 1

ROBERTA SIMÕES NASCIMENTO: 13Táticas parlamentares para aprovação das leis/doutrina, 1

Táticas parlamentares, 1

FICHA TÉCNICA // Revista Bonijuris Título original: Quando calar é melhor do que falar. Treze táticas parlamentares para aprovação das leis. Title: When to shut up is better than talking. Thirteen parliamentary tactics for passing laws. Autora: Roberta Simões Nascimento.  Doutora cum laude em Direito pela Universidad de Alicante (Espanha). Doutora e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Master in Global Rule of Law and Constitutional Democracy pela Università degli Studi di Genova (Itália). Máster en Argumentación Jurídica pela Universidad de Alicante. Pós-Graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Gama Filho. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Advogada do Senado Federal desde 2009. Professora dos Cursos de Especialização em Direito Legislativo do Instituto Legislativo Brasileiro (ilb/Senado Federal). Professora adjunta da Universidade de Brasília (UnB), aprovada em primeiro lugar no concurso em 2020. Professora da Pós-Graduação Lato sensu em Direito Constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público – idp. Resumo: O mapeamento dos artifícios estratégicos dos parlamentares, sejam eles institucionalizados ou não, é tarefa crucial e necessária para os interessados em compreender como funciona o Poder Legislativo e entender a prática da argumentação dos parlamentares para a aprovação das leis. Os regimentos internos das casas legislativas trazem regras disciplinadoras da atuação parlamentar, definindo condições e procedimentos para, entre outras ações, a apresentação de projetos de leis, emendas, a organização das comissões, o modo de debater e votar. A ideia é que se estabeleça a ordem dos trabalhos, evitando os inconvenientes mecanismos parlamentares de obstrução que acabam induzindo os interessados na aprovação de medidas legislativas, atropelando as normas constitucionais e os direitos das minorias. Palavras-chave: processo legislativo; táticas parlamentares; obstruções regimentais; comportamento estratégico dos legisladores; práticas legislativas. Abstract: Mapping the strategic devices of parliamentarians, whether institutionalized or not, is a crucial and necessary task for those interested in understanding how the Legislative Branch works and understanding the practice of arguing parliamentarians for the approval of laws. The internal regulations of the legislative houses contain disciplinary rules for parliamentary action, defining conditions and procedures for, among other actions, the presentation of draft laws, amendments, the organization of commissions, the way of debating and voting. The idea is to establish the order of business, avoiding the inconvenient parliamentary obstruction mechanisms that end up inducing those interested in the approval of legislative measures, overriding constitutional norms and the rights of minorities. Keywords: legislative process; parliamentary tactics; regimental obstructions; strategic behavior of legislators; legislative practices. Data de recebimento: 09.03.2021. Data de aprovação: 05.04.2021. Fonte: Revista Bonijuris, vol. 33, n. 3 – #670 – jun./jul. 2021, págs …, Editor: Luiz Fernando de Queiroz, Ed. Bonijuris, Curitiba, PR, Brasil, ISSN 1809-3256 (juridico@bonijuris.com.br).

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BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Acórdão na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.174, 2019c.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Acórdão no Mandado de Segurança n. 20.499, 1985.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Acórdão no Mandado de Segurança n. 22.503, 1997.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Acórdão no Mandado de Segurança n. 27.931, 2009.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Acórdão no Mandado de Segurança n. 33.630, 2015a.

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Acórdão no Mandado de Segurança n. 33.697, 2015b.


NOTAS

[1] Este texto desenvolve e aprofunda, em alguns trechos, ideias lançadas em minha tese de doutorado defendida na Universidade de Alicante (Espanha), em cotutela internacional com a Universidade de Brasília, em 2018. A pesquisa foi publicada em livro, com a referência seguinte: NASCIMENTO, Roberta Simões. Teoria da legislação e argumentação legislativa: Brasil e Espanha em perspectiva comparada. Curitiba: Alteridade Editora, 2019 (Coleção Direito, Retórica e Argumentação, v. 6).

[2] Agradeço a José Roberto Leite, Celso Lima dos Santos, Felipe Cadete, Fernando Leal e Manuel Atienza, pela leitura, com sugestões, críticas e comentários, de versões anteriores deste trabalho.

[3] “Art. 293. No processo simbólico observar-se-ão as seguintes normas: […] IV – o requerimento de verificação de votação só́ será́ admissível se apoiado por três Senadores;”

[4] “Art. 185. (…) § 4º Havendo-se procedido a uma verificação de votação, antes do decurso de uma hora da proclamação do resultado, só́ será́ permitida nova verificação por deliberação do Plenário, a requerimento de um décimo dos Deputados, ou de Líderes que representem esse número.”

[5] “Art. 293. No processo simbólico observar-se-ão as seguintes normas: […] V – procedida a verificação de votação e constatada a existência de número, não será́ permitida nova verificação antes do decurso de uma hora;”

[6] “Art. 186. O processo nominal será́ utilizado: I – nos casos em que seja exigido quórum especial de votação; II – por deliberação do Plenário, a requerimento de qualquer Deputado; III – quando houver pedido de verificação de votação, respeitado o que prescreve o § 4º do artigo anterior; IV – nos demais casos expressos neste Regimento. § 1º O requerimento verbal não admitirá votação nominal. § 2º Quando algum Deputado requerer votação nominal e a Câmara não a conceder, será vedado requerê-la novamente para a mesma proposição, ou para as que lhe forem acessórias.”

[7] “Art. 294. O processo nominal, que se utilizará nos casos em que seja exigido quórum especial de votação ou por deliberação do Plenário, a requerimento de qualquer Senador, ou ainda, quando houver pedido de verificação, far-se-á́ pelo registro eletrônico dos votos, obedecidas as seguintes normas: I – os nomes dos Senadores constarão de apregoadores instalados, lateralmente, no plenário, onde serão registrados individualmente: a) em sinal verde, os votos favoráveis; b) em sinal amarelo, as abstenções; c) em sinal vermelho, os votos contrários; II – cada Senador terá́ lugar fixo, numerado, que ocupará ao ser anunciada a votação, devendo acionar dispositivo próprio de uso individual, localizado na respectiva bancada; III – os líderes votarão em primeiro lugar; IV – conhecido o voto das lideranças, votarão os demais Senadores; V – verificado, pelo registro no painel de controle localizado na mesa, que houve empate na votação, o Presidente comunicará o fato ao Plenário e a desempatará, transferindo, em seguida, o resultado aos apregoadores; VI – concluída a votação, o Presidente desligará o quadro, liberando o sistema para o processamento de nova votação; VII – o resultado da votação será́ encaminhado à Mesa em listagem especial, onde estarão registrados: a) a matéria objeto da deliberação; b) a data em que se procedeu a votação; c) o voto individual de cada Senador; d) o resultado da votação; e) o total dos votantes; VIII – o Primeiro-Secretário rubricará a listagem especial, determinando sua anexação ao processo da matéria respectiva. Parágrafo único. Quando o sistema de votação eletrônico não estiver em condições de funcionar, a votação nominal será́ feita pela chamada dos Senadores, que responderão sim ou não, conforme aprovem ou rejeitem a proposição, sendo os votos anotados pelos Secretários.”

[8] “Art. 185. […] § 1º Havendo votação divergente, o Presidente consultará o Plenário se há dúvida quanto ao resultado proclamado, assegurando a oportunidade de formular-se pedido de verificação de votação.”

[9] Recentemente, a sistemática de votação simbólica acabou servindo na prática para ocultar os parlamentares que votaram favoravelmente à aprovação da chamada Lei do Abuso de Autoridade (Lei 13.869, de 5 de setembro de 2019). Considerada uma medida pouco popular (pois supostamente enfraqueceria o combate à corrupção), certamente alguns parlamentares votariam diferente em um cenário de votação nominal.

[10] Um dos projetos que mais foram adiante foi o apresentado pelo deputado José Tinoco (o projeto de resolução n. 231, de 1990), nesse sentido aqui proposto.

[11] Eis o teor o dispositivo mencionado: “Art. 176. Pelo processo simbólico, o Presidente, ao anunciar a votação de qualquer matéria, convidará os Deputados a favor a permanecerem sentados e proclamará o resultado manifesto dos votos. A manifestação dos líderes representará o voto de seus liderados, permitida a declaração de voto.”

[12] Disponível em: https://www2.camara.leg.br/buscaQordem/?wicket:interface=:2::::. Acesso em: 28 set. 2019.

[13] Art. 293. No processo simbólico observar-se-ão as seguintes normas: […] II – o voto dos líderes representará o de seus liderados presentes, permitida a declaração de voto em documento escrito a ser encaminhado à Mesa para publicação; […].

[14] Art. 45. Na votação pelo processo simbólico, os Congressistas que aprovarem a matéria deverão permanecer sentados, levantando-se os que votarem pela rejeição. O pronunciamento dos Líderes representará o voto de seus liderados presentes, permitida a declaração de voto. § 1º Proclamado o resultado da votação de cada Casa, poderá́ ser feita sua verificação a requerimento de Líder, de 5 (cinco) Senadores ou de 20 (vinte) Deputados. § 2º Na verificação, proceder-se-á́ à contagem, por bancada, dos votos favoráveis e contrários, anotando os Secretários o resultado de cada fila, a não ser que o requerimento consigne o pedido de imediata votação nominal. § 3º Procedida a verificação de votação, e havendo número legal, não será́ permitida nova verificação antes do decurso de 1 (uma) hora.

[15] Já existem algumas previsões regimentais nesse sentido, limitando a votação simbólica. Por exemplo, essa não é admitida para a votação de leis complementares.

[16] Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: (…) III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

[17] “Art. 82. […] § 6º A ausência às votações equipara-se, para todos os efeitos, à ausência às sessões, ressalvada a que se verificar a título de obstrução parlamentar legítima, assim considerada a que for aprovada pelas bancadas ou suas Lideranças e comunicada à Mesa.”

[18] “Art. 13. […] § 2º Considerar-se-á́ ainda ausente o Senador que, embora conste da lista de presença das sessões deliberativas, deixar de comparecer às votações, salvo se em obstrução declarada por líder partidário ou de bloco parlamentar.”

[19] “Art. 11. Após autenticado, o parlamentar poderá́ votar SIM, NÃO, ABSTENÇÃO ou OBSTRUÇÃO.

§ 1º No momento em que for registrado o voto, o dispositivo realizará a captura de imagem do parlamentar pela câmera frontal do dispositivo, que deverá estar desobstruída, sendo tal captura enviada ao SDR para conferência em eventual auditoria.

§ 2º O quórum será apurado na votação, independentemente do número de parlamentares conectados na fase de discussão da matéria.

§ 3º O comparecimento dos parlamentares, para fins administrativos, será apurado com base nos registros de votação extraídos pelo SDR.”

[20] Art. 64. Cada Cámara es juez de las elecciones, derechos y títulos de sus miembros en cuanto a su validez. Ninguna de ellas entrará en sesión sin la mayoría absoluta de sus miembros; pero un número menor podrá compeler a los miembros ausentes a que concurran a las sesiones, en los términos y bajo las penas que cada Cámara establecerá”.

[21] “Artículo 27. En caso de inasistencia reiterada de la mayoría de los Diputados, la minoría podrá reunirse en el recinto de las sesiones, para acordar los medios de compeler a los inasistentes.”

[22] “Art. 27 Cuando transcurra uno de los días señalados para sesión ordinaria sin quórum para formar Cámara, la minoría presente, una hora después de la citación para la segunda sesión, puede reunirse y llamar a los inasistentes por citación especial para la sesión siguiente. La citación se hará́ por el presidente en dos diarios de la capital de la República, mencionando por sus nombres a los inasistentes, si así́ lo resuelve la minoría reunida. Art. 28 Si después de esta situación no se forma quórum, la minoría tiene facultad para compeler a los inasistentes por la aplicación de multas que deben fijarse dentro de la asignación mensual de que gozan los senadores, o por la fuerza pública, si aquellas medidas no dan resultado.”

[23] Mais detalhes podem ser encontrados em: Garcia. “Senadoras ocupam cadeira do presidente do Senado; Eunício suspende sessão”. G1, Brasília, 11/07/2017. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/eunicio-suspende-sessao-apos-senadoras-da-oposicao-ocuparem-mesa-do-plenario.ghtml. Acesso em: 11 ago. 2017; Modzeleski. “Reforma trabalhista: senadoras dizem que só́ deixarão mesa se destaque for aprovado”. G1, Brasília, 11 jul. 2017. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/reforma-trabalhista-senadoras-dizem-que-so-deixarao-mesa-se-destaque-for-aprovado.ghtml. Acesso em: 11 ago. 2017; Jornal Nacional, edição do dia 11 jul. 2017. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/07/senadoras-da-oposicao-ocupam-mesa-do-plenario-e-impedem-votacao.html. Acesso em: 11 ago. 2017; “Governistas criticam ocupação da mesa do Plenário; para Oposição, foi ato político”. Senado notícias, 11 jul. /2017. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/mate rias/2017/07/11/governistas-criticam-ocupacao-da-mesa-do-plenario-para-oposicao-foi-ato-politico. Acesso em: 11 ago. 2017.

[24] Mais detalhes do episódio podem ser encontrados em: HAUBERT, Mariana; TRUFFI, Renan; TURTELLI. Kátia Abreu entrega flores para David Alcolumbre após ‘roubo de pasta’. Senadora pede desculpas publicamente e entrega rosas brancas ao candidato à presidência da Casa. Estadão, 02 fev. 19. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,katia-abreu-entrega-flores-para-davi-alcolumbre-apos-roubo-de-pasta,70002704975. Acesso em: 14 ago. 2019; Senadora Kátia Abreu pega pasta da mesa diretora do Senado. G1, 01/02/2019. Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/jornal-gl obo-news/videos/v/senadora-katia-abreu-pega-pasta-da-mesa-diretora-do-senado/7348375/. Acesso em: 14 ago. 2019.

[25] Confira-se: https://www.youtube.com/embed/tgGEb0SJ37g.

[26] Diversos episódios do emprego dessa tática estão historiados em: PI (2017).

[27] Confira-se: https://www.youtube.com/embed/tgGEb0SJ37g.

[28] Para um resgate histórico sobre o surgimento dos calendários especiais, confiram-se: Carvalho (2010) e Borges, (2016).

[29] Confira-se um fragmento da ementa: “1. A Constituição Federal de 1988 não fixou um intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação para fins de aprovação de emendas à Constituição (CF, art. 62, §2º), de sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política de reformar a Lei Maior. A interferência judicial no âmago do processo político, verdadeiro locus da atuação típica dos agentes do Poder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e categórico no que prevê o texto da Constituição Federal. Inexistência de ofensa formal à Constituição brasileira.” (ADI 4425, Rel.  Min. Ayres Britto, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. em 14/03/2013, p. em 19-12-2013)

[30] Kahneman (2011) já́ dava conta da existência de duas formas de pensar: uma rápida, com bastante força e influência persuasiva nas decisões dos indivíduos e, naturalmente, com falhas e limites; e outra lenta. O entendimento dessas duas maneiras de pensar pode ajudar nas decisões, não somente pessoais e profissionais, mas também legislativas. Trata-se de aproveitar os desenvolvimentos da teoria da psicologia comportamental de Daniel Kahneman na teoria da legislação, tanto para melhorar a decisão legislativa, quanto para, na linha do nudging, legislar usando os vieses da mente humana para colocar os cidadãos no rumo correto (e assim alcançar os objetivos legislativos).

[31] “Art. 312. O destaque de partes de qualquer proposição, bem como de emenda do grupo a que pertencer, pode ser concedido, mediante deliberação do Plenário, a requerimento de qualquer Senador, para: I – constituir projeto autônomo, salvo quando a disposição a destacar seja de projeto da Câmara; II – votação em separado; III – aprovação ou rejeição.

Art. 313. Permite-se destacar para votação, como emenda autônoma: I – parte de substitutivo, quando a votação se faça preferencialmente sobre o projeto; II – parte de emenda; III – subemenda; IV – parte de projeto, quando a votação se fizer preferencialmente sobre o substitutivo. Parágrafo único. O destaque só́ será́ possível quando o texto destacado possa ajustar-se à proposição em que deva ser integrado e forme sentido completo.

Art. 314. Em relação aos destaques, obedecer-se-ão as seguintes normas: I – o requerimento deve ser formulado: a) até ser anunciada a proposição, se o destaque atingir algumas de suas partes; b) até ser anunciado o grupo das emendas, quando o destaque se referir a qualquer delas; c) até ser anunciada a emenda, se o destaque tiver por fim separar algumas de suas partes; II – não será́ permitido destaque de expressão cuja retirada inverta o sentido da proposição ou a modifique substancialmente; III – concedido o destaque para votação em separado, submeter-se-á́ a votos, primeiramente, a matéria principal e, em seguida, a destacada; IV – a votação de requerimento de destaque só envolve decisão sobre a parte a destacar se a finalidade do destaque for expressamente mencionada; V – havendo retirada do requerimento de destaque, a matéria destacada voltará ao grupo a que pertencer; VI – não se admitirá requerimento de destaque: a) para aprovação ou rejeição: 1 – de dispositivo a que houver sido apresentada emenda; 2 – de emendas que, regimentalmente, devam ser votadas separadamente; b) de emendas para constituição de grupos diferentes daqueles a que, regimentalmente, pertençam; VII – destacada uma emenda, sê-lo-ão, automaticamente, as que com ela tenham relação; VIII – o destaque para projeto em separado de dispositivo ou emenda pode, também, ser proposto por comissão, em seu parecer; IX – a votação do requerimento de destaque para projeto em separado precederá a deliberação sobre a matéria principal; X – o destaque para projeto em separado só́ pode ser submetido a votos se a matéria a destacar for suscetível de constituir proposição de curso autônomo; XI – concedido o destaque para projeto em separado, o autor do requerimento terá́ o prazo de dois dias úteis para oferecer o texto com que deverá tramitar o novo projeto; XII – o projeto resultante de destaque terá́ a tramitação de proposição inicial.”

[32] O PLS foi apresentado dias após os jornais noticiarem a execução de um cachorro por um funcionário de uma rede de supermercados em Osasco/SP, com vassouradas e veneno. No calor dessa morte violenta, a proposição pretendia aumentar a pena do crime de maus-tratos. Compulsando a tramitação legislativa (disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/134775), o PLC n. 27/2018, que tramitava em conjunto, voltou a ter tramitação autônoma. O expediente da tramitação em conjunto serviu apenas para o PLS andar mais rápido.

[33] “Art. 172. A inclusão em Ordem do Dia de proposição em rito normal, sem que esteja instruída com pareceres das comissões a que houver sido distribuída, só́ é admissível nas seguintes hipóteses: I – por deliberação do Plenário, se a única ou a última comissão a que estiver distribuída não proferir o seu parecer no prazo regimental;”

[34] A tramitação está disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/126 084

[35] “Art. 4º. […] § 4º É vedada a apresentação de emendas que versem sobre matéria estranha àquela tratada na Medida Provisória, cabendo ao Presidente da Comissão o seu indeferimento liminar.”

[36] “§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. (Incluído pela EC n. 32, de 2001)”.

[37] “Art. 62. […] § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela EC n. 32, de 2001)

I – relativa a: (Incluído pela EC n. 32, de 2001)

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; (Incluído pela EC n. 32, de 2001)

b) direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela EC n. 32, de 2001)

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; (Incluído pela EC n. 32, de 2001)

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; (Incluído pela EC n. 32, de 2001)”.

[38] “Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

§ 1º O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a contar do recebimento da mensagem.

§ 2º A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.

§ 3º O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.”.

[39] “Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados.

§ 1º O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa.

§ 2º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação. (Redação dada pela EC n. 32, de 2001).”

[40] Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/questoes-de-ordem/-/q/detalhe/2471. Acesso em: 24 set. 2019.

[41] Confira-se o argumento do STF a partir do seguinte trecho: “2 – Proposta de emenda que, votada e aprovada na Câmara dos Deputados, sofreu alteração no Senado Federal, tendo sido promulgada sem que tivesse retornado à Casa iniciadora para nova votação quanto à parte objeto de modificação. Inexistência de ofensa ao art. 60, § 2º da Constituição Federal no tocante à supressão, no Senado Federal, da expressão “observado o disposto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal”, que constava do texto aprovado pela Câmara dos Deputados em 2 (dois) turnos de votação, tendo em vista que essa alteração não importou em mudança substancial do sentido do texto” (ADI 2666, Rel.  Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. em 03/10/2002, p. em 06.12.2002).

[42] Para um histórico sobre o surgimento do fatiamento e das “PECs paralelas”, confira-se: Santana (2004).

[43] O art. 67 da Constituição traz norma semelhante em relação aos projetos de leis rejeitados, permitindo, no entanto, o requerimento da maioria absoluta para a reapresentação do projeto de lei rejeitado na mesma sessão legislativa. Eis o seu teor: “Art. 67. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.”.

[44] Em 1997, fez-se uso da tática durante das discussões da reforma da previdência. E, mais recentemente, em 2015, novamente, durante os debates sobre as doações de campanha eleitoral, feitas por pessoa jurídica, a partidos e candidatos e sobre a redução da maioridade penal.

[45] Vale transcrever o seguinte argumento: “1. Não ocorre contrariedade ao § 5º do art. 60 da Constituição na medida em que o Presidente da Câmara dos Deputados, autoridade coatora, aplica dispositivo regimental adequado e declara prejudicada a proposição que tiver substitutivo aprovado, e não rejeitado, ressalvados os destaques (art. 163, V). 2. É de ver-se, pois, que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado o substitutivo, e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo, não se cuida de aplicar a norma do art. 60, § 5º, da Constituição. Por isso mesmo, afastada a rejeição do substitutivo, nada impede que se prossiga na votação do projeto originário. O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto” (MS 22503, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, j. em 08.05.1996, p. em 06.06.1997)

[46] Havia ao menos duas: a Emenda n. 505, de autoria do Deputado Federal Marcelo Freixo – PSOL/RJ (disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7915158&ts=1570125974647&disposition=inline. Acesso em: 28 set. 2019) e a Emenda n. 191 de autoria da Deputada Federal Joenia Wapichana – REDE/RR (disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7911835&ts=1570125991767&dispositio n=inline. Acesso em: 28 set. 2019). Isso, diante de mais de 540 emendas apresentadas.

[47] “Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. § 1º Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa. § 2º Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: I – discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa; II – realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; III – convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições; IV – receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas; V – solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão; VI – apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer. […]”.

[48] O argumento central está no seguinte trecho: “As Comissões Mistas e a magnitude das funções das mesmas no processo de conversão de Medidas Provisórias decorrem da necessidade, imposta pela Constituição, de assegurar uma reflexão mais detida sobre o ato normativo primário emanado pelo Executivo, evitando que a apreciação pelo Plenário seja feita de maneira inopinada, percebendo-se, assim, que o parecer desse colegiado representa, em vez de formalidade desimportante, uma garantia de que o Legislativo fiscalize o exercício atípico da função legiferante pelo Executivo. 5. O art. 6º da Resolução n. 1 de 2002 do Congresso Nacional, que permite a emissão do parecer por meio de Relator nomeado pela Comissão Mista, diretamente ao Plenário da Câmara dos Deputados, é inconstitucional.” (ADI 4029, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 08.03.2012, publicado em 27.06.2012)

[49] “Art. 62. […] § 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela EC n. 32, de 2001)”

[50] Maiores detalhes sobre o ponto podem ser encontrados em Nascimento (2019, p. 500-507).

[51] “Art. 34. As Comissões Especiais serão constituídas para dar parecer sobre: […] II – proposições que versarem matéria de competência de mais de três Comissões que devam pronunciar-se quanto ao mérito, por iniciativa do Presidente da Câmara, ou a requerimento de Líder ou de Presidente de Comissão interessada.”

[52] “Art. 17. São atribuições do Presidente, além das que estão expressas neste Regimento, ou decorram da natureza de suas funções e prerrogativas: I – quanto às sessões da Câmara: […] s) organizar, ouvido o Colégio de Líderes, a agenda com a previsão das proposições a serem apreciadas no mês subsequente, para distribuição aos Deputados;”

Foto: AGÊNCIA BRASIL

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