Leonardo de Tajaribe Ribeiro Henrique Jr. ADVOGADO CRIMINALISTA
A acelerada globalização proporcionada pelo implemento dos meios digitais na vida cotidiana e a facilitação do seu acesso para as classes menos favorecidas acarretaram acentuadas modificações na rotina das pessoas que, como qualquer ser humano em sociedade, efetuam operações de troca no seu dia a dia, esbarrando, algumas vezes, com fraudes financeiras, lavagem de capitais, estelionatos e demais condutas criminosas.
Nesse contexto, um dos efeitos da globalização é a quebra de barreiras entre os mercados financeiros existentes em todo o globo, decorrente, sobretudo, do avanço tecnológico dos sistemas informáticos, fator que, na atualidade, permite às pessoas de qualquer idade poderem, de qualquer lugar do planeta, operar em mercados financeiros de grande expressão com o uso apenas de um smartphone ou qualquer aparato digital com acesso à internet.
Se por um lado os avanços da tecnologia proporcionam facilidade e conforto, por outro podem acarretar o incremento de práticas criminosas, em que a vítima geralmente pertence ao público comum.
Nesse cenário, o bitcoin tem-se destacado como moeda digital (ou criptomoeda) de grande expressão econômica, podendo servir tanto como instrumento cambiário quanto como investimento, considerado por alguns, inclusive, como o “ouro do século 21”1, com acelerado crescimento no seu valor de mercado e uso cada vez mais frequente nas operações financeiras digitais.
Contudo, a existência de uma moeda de troca exclusivamente digital, sem curso legal e desprovida de regulamentação legal satisfatória, promove, a um só tempo, a imunidade ao processo inflacionário da moeda e o risco da prática de condutas criminosas de difícil investigação e distanciadas da tutela estatal.
Dessa forma, diversos crimes praticados com o uso de moedas digitais já são do conhecimento público, como o pagamento a assassinos de aluguel com o uso de bitcoin2. Todavia, no presente estudo dar-se-á atenção exclusivamente à possibilidade de uso do “sistema das criptomoedas” para a prática da lavagem do proveito econômico de atividades ilícitas, à luz da doutrina e da jurisprudência, visando esclarecer e rediscutir alguns pontos controvertidos em torno da matéria apresentada.
1. DA TIPIFICAÇÃO MATERIAL DO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS
1.1. Aspectos materiais da tipificação do crime de lavagem de capitais
Para melhor compreensão da discussão que se pretende desenvolver, faz-se necessário o apontamento da tipificação do crime de lavagem de dinheiro, insculpido no art. 1º da Lei 9.613/98: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.
Pode-se entender, à luz do texto legal, que o crime de lavagem de capitais é tipificado por atos comissivos que visem cortinar a origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de ativos originados da prática de crimes e contravenções penais antecedentes.
Nesse contexto, faz-se necessário um breve parêntese sobre o bem jurídico tutelado pelo delito em estudo, tendo em vista que os criptoativos ainda são vistos pelo ordenamento jurídico pátrio como um instrumento sem natureza cambiária, como se mostrará adiante.
A doutrina diverge largamente ao nominar os bens jurídicos protegidos como correspondentes à administração da justiça ou à proteção da ordem socioeconômica, oportunidade em que se traz à discussão o posicionamento do catedrático Luiz Régis Prado (2014, p. 367), segundo o qual o sistema econômico e suas instituições mostram-se como objetos tutelados pela norma, propiciadores da circulação e concorrência livre e legal de bens, valores e capitais. Nas palavras desse catedrático: “[É] de inegável relevância para o funcionamento escorreito da ordem socioeconômica de um determinado país resguardar a
licitude dos bens e capitais que circulam no tráfego econômico e combater a lavagem de dinheiro ou bens procedentes de operações delitivas” (PRADO, 2014, p. 367).
A razão da referida indicação da tutela penal à ordem econômico-financeira construída pelo autor citado deve-se à incumbência que um sistema financeiro possui de proteger a licitude dos bens e valores negociados na economia formal, combatendo a lavagem de dinheiro e operações delitivas diversas, prezando pelo funcionamento imaculado da ordem econômica.
Por outro lado, de acordo com Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (2016, p. 90), o crime de lavagem de dinheiro tutelaria a administração da justiça em razão da sua capacidade de afetar o seu funcionamento, haja vista o objetivo intrínseco de garantir a fruição do proveito econômico ilícito. Para esses autores:
Imagine-se um roubo a banco em consequência do qual seu autor adquira dinheiro suficiente para comprar um barco. Caso ele o compre diretamente, em seu nome, não haverá lavagem de dinheiro, mas mero exaurimento do crime. Por outro lado, se o valor for depositado em conta de terceiro, que efetua a compra em nome de empresa laranja, existirá lavagem de dinheiro. Note-se que, se o barco for comprado pelo preço de mercado, em condições idênticas à aquisição do mesmo bem com recursos lícitos, a ordem econômica não será afetada por qualquer das condutas assinaladas. Ainda assim, no segundo caso haverá lavagem de dinheiro. Assim, a nota diferencial entre o primeiro e o segundo comportamento não é a turbação da ordem econômica, mas o escamoteamento do produto do crime. No primeiro caso não houve ocultação, blindagem do bem contra possíveis rastreamentos. Já no segundo, percebe-se o escamoteamento do dinheiro, que dificulta sua identificação. A única diferença entre as duas situações, capaz de justificar a punição pela lavagem de dinheiro apenas na segunda, é sua distinta capacidade de afetar o funcionamento da justiça (BADARÓ; BOTTINI, 2016, p. 90).
De outro lado, encontram-se doutrinadores que apontam para a discussão delineada pelas diversas gerações de normas repressivas à lavagem de capitais, caracterizando a primeira geração normativa como aquela que vincula o crime de ocultação ao tráfico ilícito de entorpecentes, por inspiração da Convenção de Viena de combate ao tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas.
As críticas aos doutrinadores que pretendiam formular a tutela penal do crime em estudo com base nas legislações de primeira geração estão no fato de que sua argumentação baseia-se em uma posição de subproduto do crime de lavagem em relação ao tráfico, tendo em vista que o crime de lavagem de dinheiro era tido como mero instrumento
do combate ao tráfico de entorpecentes, razão pela qual aquele se vincularia ao objeto jurídico tutelado por este, qual seja, a saúde pública (FILIPETTO, 2011, p. 101).
Em alternativa, no contexto das leis de segunda geração, destaca-se a figura do chamado “crime antecedente”, desvinculando o crime de lavagem de dinheiro de um só crime apto a gerar proveito econômico passível de ocultação, em paralelo ao critério adotado por poucos países de desprender o ilícito de ocultação de um crime anterior, constituindo as chamadas leis de terceira geração.
Destarte, a legislação brasileira de repressão à lavagem de dinheiro adota o modelo atinente às leis de segunda geração, prevendo a necessidade de um crime antecedente gerador de proveito econômico para que se criminalize a ocultação da origem ilícita dos ativos, bens ou valores, mas não exige a prática de um rol taxativo de crimes antecedentes pré-determinados, uma vez que tal rol foi extinto pela Lei 12.683/12.
Logo, não há mais uma lista propriamente dita de crimes passíveis de serem categorizados como antecedentes à lavagem, apesar de se considerar que só poderão ser antecedentes de lavagem os crimes que gerem proveito econômico, independente de não possuírem a vantagem econômica como integrante do tipo.
Retornando à literalidade do dispositivo legal inicialmente mencionado, nota-se que o legislador, ao adotar a expressão “provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, satisfez-se com a proveniência dos bens, direitos ou valores de um injusto penal, estabelecendo a necessidade de comprovação de um nexo entre os bens objeto da ocultação ou dissimulação e a infração penal antecedente, presente também o liame subjetivo do autor, caracterizado pelo conhecimento de ilegalidade da conduta e intenção de ocultar a origem, natureza, localização, disposição ou propriedade do proveito ilícito.
Em contrapartida, distinguindo-se da técnica legislativa brasileira – que exige diversos elementos para que se tipifique o crime de lavagem de capitais – o Código Penal espanhol adota uma posição de interessante divergência, na medida em que exige apenas a presença do delito antecedente, não reconhecendo a contravenção penal como antecedente e, portanto, considerando que apenas os crimes são passíveis de gerar proveito apto à lavagem, conforme aponta Luiz Régis Prado (2014, p. 377).
Saliente-se que, apesar da exigência de crime antecedente adotada pela Lei 9.613/98, o crime de lavagem de capitais é autônomo, possuindo estrutura própria de autonomia e forma, conforme o art. 2º, § 1º, da lei repressora: “A denúncia será instruída
com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”.
Portanto, atualmente, o delito de lavagem de capitais não é um mero instrumento acessório para outra pretensão repressiva, como o era após a Convenção de Viena, dotado de autonomia em relação à sua tipificação, superada a denominada “acessoriedade limitada”, a qual se relaciona com a necessária comprovação da existência de um crime antecedente para configurar-se a justa causa para a propositura de eventual ação penal.
1.2. A propriedade criminosa passível de lavagem
Faz-se necessário, para melhor compreensão do tema central do presente trabalho, que se pontuem breves explicações sobre o conceito jurídico de “propriedade criminosa” para fins de tipificação do crime de lavagem e das medidas assecuratórias que recaem sobre o patrimônio ilícito.
Nesse contexto, cumpre apontar que a definição de “propriedade criminosa” remonta aos procedimentos adotados no âmbito do direito marítimo pelas cortes do sistema de common law, em meados dos séculos 17 e 18, manifestados em casos de pilhagem nos quais se discutia o confisco de navios e demais bens que estivessem envolvidos em tais atos. É indispensável, portanto, a referência aos casos paradigmáticos julgados nos Estados Unidos da América sobre o tema, quais sejam: Harmony v. USA e Palmira v. USA (KNIJNIK, 2016).
Logo, em harmonia com o disposto na legislação vigente da época, adotou-se o entendimento de que deveria ser promovido o sequestro das embarcações envolvidas nos delitos de pirataria, em razão de constituírem o objeto do crime, seja executando os atos criminosos, seja servindo a eles.
Com a evolução científico-jurídica, tal compreensão começou a ser aplicada também aos delitos de lavagem de dinheiro, fundamentando o confisco dos valores obtidos, direta ou indiretamente, pela prática delitiva.
Dessa forma, visando impedir o proveito econômico do crime, foram editados diversos dispositivos legais de confisco, como o art. 7º, I, da Lei 9.613/98, com as alterações promovidas pela Lei 12.683/12, in verbis:
Art. 7º: São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal:
I − a perda, em favor da União – e dos Estados, nos casos de competência da Justiça Estadual –, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
Por consequência, compreender a ideia em torno do conceito de “propriedade criminosa” é de importância ímpar, uma vez que se constitui em um imperativo na configuração do tipo de lavagem de capitais, pelo que a premência de sua elucidação prende-se à necessidade primordial de punir não só o autor do delito, mas também, e sobretudo, de retirar da economia o capital ilícito, pois ele detém o potencial de macular as relações socioeconômicas, daí a necessidade de identificação desse elemento constitutivo do crime em estudo.
Todavia, e aqui se coloca a provocação que adiante será amadurecida, a questão adquire salutar complexidade quando da necessidade de se determinar o que é propriedade criminosa nos casos em que se visualizam indícios do cometimento do delito de lavagem com o uso de criptomoedas, visto que não se pode, à primeira vista, considerar que todo o capital ali representado é oriundo de crime antecedente, bem como não há que se admitir a ideia de que o valor que ali se insere exprime, para todos os fins comerciais, um valor monetário apto a uso e, portanto, apto a instrumentalizar a ocultação de um ilícito.
Isso posto, estando superados os delineamentos iniciais atinentes à materialização do delito de lavagem de capitais e as definições necessárias ao redor da estrutura delitiva do crime, passa-se à análise das características dos criptoativos (ou criptomoedas) e sua natureza jurídica.
2. CARACTERÍSTICAS DOS CRIPTOATIVOS, NATUREZA JURÍDICA E ENTRAVES À PERSECUÇÃO
Entre os elementos que caracterizam as criptomoedas está a criptografia, constituída pela codificação da informação enviada através da criação de chaves de encriptação e de decriptação, as quais são possuídas apenas pelo emissor e pelo destinatário da informação,
fazendo com que a mensagem ou arquivo transmitido torne-se ilegível no caminho percorrido entre o ponto A (receptor) e o ponto B (destinatário).
Note-se, portanto, que a criptografia é um mecanismo essencial para garantir a integridade das informações que percorrem o tubo tecnológico das transações efetuadas via internet, como internet banking, aplicativos de instituições bancárias, e-commerce e demais instrumentos de negociação online.
No entanto, apesar das transações financeiras possuírem elevado grau de criptografia, valendo-se de sistemas de segurança da informação complexos, o problema em torno da operacionalização digital de atos comerciais verifica-se quando da prática de atividades delitivas intermediadas por sistemas digitais, nos quais a criptografia que promove a segurança das negociações realizadas é a mesma que dificulta a inspeção dos delitos cometidos em sua plataforma.
Codificar as informações transmitidas online garante – ao menos a priori – a segurança dos dados, promovendo conforto aos usuários que, por comodidade, optam pela utilização de meios digitais para realizar transações financeiras, normalmente via aplicativos de celular. Porém, as mesmas práticas de segurança resultam também na dificuldade de persecução dos crimes cometidos naqueles ambientes digitais, o que embaraça o rastreamento das informações criptografadas.
E os problemas aumentam quando as operações são realizadas com moedas que só existem, na prática, em meio digital, impossibilitando a sua expressão em moeda corrente, além de sua precária regulamentação normativa e ausência de uma entidade controladora devidamente constituída.
É o caso, portanto, das criptomoedas, entre as quais a mais popular é o bitcoin, conhecidas por serem tipos de moedas digitais que só existem digitalmente, utilizadas para transações virtuais com proteção criptográfica visando a salvaguardar a segurança das operações e diminuir o lastro de probabilidade fraudatória na sua origem, além de sua emissão ocorrer sem qualquer garantia fiduciária, valendo ressaltar que seu valor depende quase que exclusivamente da confiança depositada por seus operadores.
Em outras palavras, é um meio de negociação monetária sem qualquer garantia cambiária, não oficial e não regulamentado, podendo se dar diretamente entre os usuários, sem a intervenção de qualquer empresa como intermediária (peer-to-peer)3, por meios em que se garante o anonimato dos operadores, acrescentando-se ao conjunto operacional o
caráter criptográfico inerente ao monetário, o que dificulta inexoravelmente seu rastreamento e investigação.
Sobre a (pseudo)anonimidade das operações com bitcoin e outras criptomoedas, importa trazer cristalina explicação de Heloisa Estellita (2020) acerca de sua pertinência à lavagem de capitais:
Quanto à pseudoanonimidade e ao contrário do que se pode pensar, as operações com BTC não são um meio de pagamento anônimo, mas garantem um grau de privacidade que é relevante em termos de persecução penal da lavagem de capitais. Ao abrir uma “conta”, a pessoa não tem de se identificar e basta o acesso à internet e a um cliente de BTC para gerar um par de chaves e ter acesso a transações. Ademais, uma mesma pessoa pode ter diversos endereços de BTCs, o que agrega mais anonimidade às transações. Porém, o fluxo de transações é todo registrado no blockchain, o que dá uma transparência relevante quanto a todo o histórico de transações com os BTCs. A atribuição de identidade aos endereços de BTCs só pode ser feita por um terceiro (uma exchange, por exemplo), já que o código não contém ou comporta os dados pessoais do titular do endereço (ESTELLITA, on-line, 2020).
Dessa forma, as criptomoedas são rastreáveis apenas em sua origem, sabendo-se o local no qual elas foram criadas através do processo de mineração – execução de complexas equações matemáticas em computadores instalados para esta finalidade.
Contudo, o mesmo não ocorre quanto ao local em que elas são armazenadas e negociadas comercialmente, denominado de “wallets provider” (carteiras digitais de custódia) – o instrumento digital de custódia dos criptoativos4 –, visto que é desnecessária a sua vinculação a qualquer identificação que individualize o proprietário, como cadastro de pessoas físicas (CPF) ou cadastro nacional de pessoas jurídicas (CNPJ).
Apesar da volatilidade verificada na ausência de lastro patrimonial, as criptomoedas são aceitas por muitos países como instrumento monetário cotidiano, como para a compra de comida em restaurantes e pagamento de passagens de metrô.
No contexto apresentado, apesar do entrave verificado entre a necessidade de se apurar as práticas criminosas realizadas com moedas digitais e seu caráter anônimo e criptográfico, têm-se desenvolvido diversas ferramentas e técnicas para a persecução criminal em crimes financeiros que envolvem criptomoedas como forma de negociação em operações delituosas como o tráfico de drogas e a contratação de “assassinos de aluguel”.
Todavia, a despeito dos esforços despendidos, as dificuldades nas práticas investigativas relacionadas às criptomoedas aparentam ser inerentes à forma digital de suas
operações, entre elas a pseudoanonimidade das operações – diferenciando-se da anonimidade –, tendo em vista que esta se caracteriza pela impossibilidade de concluir, de forma clara, quem são os operadores e qual o objeto da operacionalização, ao passo que aquela constitui uma garantia mais extensa da privacidade.
A título de exemplo de seu uso criminoso, vale mencionar o WannaCry, um ramsomware5 utilizado em 2017, pelo qual hackers sequestraram arquivos das máquinas, criptografando-os, afetando diversos sistemas e, posteriormente, requisitando o resgate dos arquivos mediante pagamento em criptomoedas. O ataque gerou a paralisação de diversos órgãos públicos, dentre eles o Ministério Público e o Tribunal de Justiça de São Paulo (MUNHOZ, 2017).
Em razão da complexidade de rastreamento das operações praticadas com criptoativos, as políticas de know your customer6 apresentam-se como instrumento de importante atuação no manejo da (lacunosa) legislação pátria, ao passo que determina que as empresas que operem ativos mantenham registros de seus clientes de forma a possibilitar sua localização, bem como a identificação de seu padrão operacional, a fim de detectar comportamentos suspeitos.
Acerca das políticas de rastreamento das operações com criptoativos, vale mencionar as observações de Bortoletto e Freitas, a seguir:
O Estado de Nova Iorque, EUA, em 2015, criou o BitLicense, que é uma licença para operar com moedas digitais, ou seja, regulamentou a transmissão de moeda virtual, o armazenamento, segurança custódia ou controle em nome de outras pessoas, compra, venda e realização de serviços de troca como negócios de cliente, o controle, a administração ou a emissão de uma criptomoeda, porém, a mineração não entrou na regulamentação. Essa foi a primeira norma que impôs aos licenciados o dever de demonstrar a eficácia das políticas preventivas a fraudes e lavagem de dinheiro, comprovar a segurança cibernética das informações e dos ativos disponibilizados pelos clientes e, como principal, impor aos executivos e empresas o dever de reportar qualquer descoberta de violação da lei, regra ou regulamento como forma de prevenção ao crime de lavagem de dinheiro. No Brasil, embora não haja obrigação normativa sobre a manutenção de registro das informações cadastrais de clientes, as corretoras geralmente adotam políticas preventivas de compliance, já que foram notórios os casos mundiais que tiveram repercussão na esfera penal (BORTOLETTO; FREITAS, 2019, p. 67).
Por oportuno, menciona-se instrução normativa da Receita Federal do Brasil (INRFB 1.888/19) que, apesar de ser regulação tributária e não de prevenção às práticas criminosas digitais, passou a exigir a identificação e deveres de informação por parte de exchanges7 e pessoas físicas que operam criptoativos.
Porém, mostrar-se-á mais à frente que o dever de informar e manter registros de seus clientes ainda é tema controverso em relação às transgressões criminosas praticadas por intermédio de exchanges.
Cabe formular uma breve crítica à tentativa de aplicar as políticas de compliance oriundas do combate à lavagem de dinheiro na esfera de operacionalização criminosa por meio digital, pois o agente que busca meios digitais não alcançados criteriosamente pelas autoridades públicas provavelmente não realizará a transferência de ativos maculados por meio de exchanges que se submetem ao dever de manter um registro de seus dados.
Apesar das técnicas comumente adotadas na persecução de crimes financeiros, tais como “follow the money” e “know your customer”, a maioria delas mostra-se de dificultosa aplicação no tocante à investigação criminal em delitos perpetrados com o uso de criptomoedas, sendo imprescindível a adoção e aperfeiçoamento de métodos tão modernos quanto os meios criminosos utilizados, de forma a acompanhar a criminalidade organizada, que a cada dia se moderniza e alarga seus horizontes.
Nota-se desde logo que a investigação criminal de um possível ato de lavagem cometido com o uso de criptoativos muito se diferencia de uma operação dólar-cabo, visto que não há o uso do sistema econômico financeiro formal, na maioria das vezes vigiado e regulado pelos entes estatais, permitindo um maior acesso às informações e aos rastros dos agentes criminosos.
2.1. O escasso lastro regulamentar das criptomoedas
Em um primeiro momento, operar com criptomoedas pode ser tentador – ao menos do ponto de vista econômico-financeiro –, considerando sua imunidade aos índices inflacionários, sua abrangência internacional e, inclusive, a possibilidade de utilizá-las como investimento financeiro uma vez que, em razão da sua volatilidade, seu preço pode variar consideravelmente em questão de meses ou semanas (TOLOTTI, 2020).
Entretanto, nem tudo é maravilha no país de Alice. As controvérsias judiciais se iniciam no momento de definir a regulamentação estatal para a utilização dos criptoativos. Isso ocorre em razão de não haver consenso acerca da natureza jurídica dos criptoativos, havendo, inclusive, diversas decisões no mundo inteiro que desconsideram sua natureza de moeda.
Cite-se, a título introdutório, a decisão emanada de uma juíza da Flórida, Estados Unidos, declarando que bitcoin não é dinheiro e, portanto, não poderia ser passível de lavagem, tendo em conta sua descentralização, ausência de regulação e extrema volatilidade, fatores que não permitem definir ou descrever exatamente o que é o bitcoin (PRICE, 2016).
No mesmo sentido, juízes brasileiros vêm se posicionando no sentido de que moedas digitais como o bitcoin não são consideras moedas para fins financeiros, ante a ausência de condição de moeda de curso legal, destituída de qualquer soberania8.
A Comissão de Valores Mobiliários, através do Ofício Circular 1/18, vedou a aquisição de moedas digitais por parte de fundos de investimento regulados pela Instrução Normativa CVM 555/14, sob o argumento de que não podem ser definidas como ativos financeiros, in verbis:
Assim e, baseado em dita indefinição, a interpretação desta área técnica é a de que as criptomoedas não podem ser qualificadas como ativos financeiros, para os efeitos do disposto no artigo 2º, V, da Instrução CVM nº 555/14, e por essa razão, sua aquisição direta pelos fundos de investimento ali regulados não é permitida.
O Comunicado 31.379/17 do Banco Central também reforça o entendimento de que as moedas digitais não possuem qualquer lastro patrimonial para que possam influir no sistema financeiro nacional, diferenciando-se das moedas eletrônicas, conforme se extrai de trecho do instrumento comunicativo:
5. A denominada moeda virtual não se confunde com a definição de moeda eletrônica de que trata a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, e sua regulamentação por meio de atos normativos editados pelo Banco Central do Brasil, conforme diretrizes do Conselho Monetário Nacional. Nos termos da definição constante nesse arcabouço regulatório consideram-se moeda eletrônica “os recursos em reais armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento”. Moeda eletrônica, portanto, é um modo de expressão de créditos denominados em reais. Por sua vez, as chamadas moedas virtuais não são referenciadas em reais ou em outras moedas estabelecidas por governos soberanos.
Por sua vez, o Parlamento Europeu, em estudo recente, sugeriu que as criptomoedas podem ser vistas como “dinheiro privado”.
Todo este introito faz-se necessário para que se compreenda que a razão de alguns autores se referirem às moedas digitais como “criptoativos”, e não como “criptomoedas”, é a ausência de lastro patrimonial, soberania e curso legal, havendo o consenso quase mundial de que, em última análise, elas não se caracterizam como moedas, mas apenas como ativos financeiros e, em alguns casos, nem isso.
Em atenção aos precedentes normativos e jurisprudenciais mencionados, o Superior Tribunal de Justiça no HC 530.563/RS, de relatoria do ministro Sebastião Reis, fixou a competência da Justiça Federal para julgamento das demandas que versem sobre criptoativos, considerando que:
[…] como as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil como moeda, nem são consideradas como valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários, não caracterizando sua negociação, por si só, nos crimes tipificados nos arts. 7º, II, e 11, ambos da Lei 7.492/1986, ou no delito previsto no art. 27-E da Lei 6.385/1976.
Todavia, apesar da ausência de consenso decisório presente nas cortes nacionais, é recorrente a adesão em torno da natureza de “não moeda” atribuída aos criptoativos.
Quer-se dizer: considerando que os criptoativos não possuem, nacionalmente, natureza jurídica de moeda, não havendo que se falar de crime contra o sistema financeiro nacional instrumentalizado por criptoativos – conforme exposto em decisão do STJ –, não haveria também que se falar em evasão de divisas – tendo em vista que não se enquadraria no conceito jurídico de “divisa”, tido como todo documento que represente a moeda, o valor ou a pecúnia –, tampouco em produto de lavagem de dinheiro.
A corte cidadã, no entanto, recentemente aduziu que, apesar da ausência de regulamentação legal e de natureza monetária dos criptoativos, eles poderão ser objeto do crime de evasão de divisas, a depender da intenção do agente. In verbis:
3. Em relação ao crime de evasão, é possível, em tese, que a negociação de criptomoeda seja utilizada como meio para a prática desse ilícito, desde que o agente adquira a moeda virtual como forma de efetivar operação de câmbio (conversão de real em moeda estrangeira), não autorizada, com o fim de promover a evasão de
divisas do país. (STJ, CC-161123/SP, Rel. Sebastião Reis Junior, 3ª Seção, DJE 05.12.2018).
Nesse contexto, infere-se do trecho extraído a opção de conferir proteção ampla e irrestrita ao bem jurídico tutelado pela evasão de divisas – a proteção das reservas cambiais –, tendo em vista que, a priori, criptoativos não são moedas, exceto se houver depósito não declarado no exterior, fator que coloca as relações jurídicas e financeiras em posição de latente insegurança.
Ainda no contexto dos criptoativos, pode-se notar a crescente complexidade das práticas criminosas ocorridas no mercado financeiro, o que acarreta a diminuição do poderio investigatório do Estado, bem como a baixa capacidade preventiva das práticas delituosas, dentre elas a lavagem de dinheiro e sua consequente reintegração de capitais maculados no sistema financeiro.
A vista disso, diversos instrumentos são necessários para contornar as dificuldades impostas pelas lacunas legislativas e forenses relacionadas à persecução de atividades ilícitas instrumentalizadas com criptomoedas. Nesse sentido, cabe trazer observação de Xesús Pérez Lopes (2017, p. 169), apontando um pouco da tratativa do tema na Espanha:
En el caso de nuestro banco de España, disponemos de una nota informativa publicada en enero de 2014, en la que el supervisor señalaba una serie de riesgos o amenazas potenciales que afectarían al bitcoin, de distinta índole: uso potencial en el marco de las finanzas criminales, posibles efectos negativos sobre la reputación de otros medios de pago digitales, existencia de fallos en el sistema susceptibles de resultar en transacciones fraudulentas, eventuales impactos sobre la estabilidad de los precios y sobre la estabilidad financiera, e irreversibilidad de las transacciones. El enfoque del documento, centrado en los riesgos de las criptomonedas, no era sino el reflejo nacional en 2014 de la actitud de desconfianza de otros supervisores ante un fenómeno aún en evolución.
Em razão das dificuldades persecutórias expostas, a colaboração privada por meio do dever de informação atribuído aos setores sensíveis à prática da ocultação de capitais, definidos no art. 9º da Lei 9.613/98, mostra-se uma prática imprescindível no aperfeiçoamento dos mecanismos de prevenção e combate à lavagem de dinheiro cometida com criptoativos.
Acerca do dever de informação, calha referir-se à cátedra de Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, que esclarecem:
A imposição dessas obrigações tem grande impacto sobre o funcionamento dos setores sensíveis, especialmente aqueles que fazem do sigilo e da confiança seus princípios estruturantes. O cumprimento das regras de registro e comunicação transforma as instituições em colaboradores cogentes, que devem comunicar eventuais atividades ilícitas praticadas por seus clientes, forçando a reformulação de políticas de relacionamento, para que alcancem um equilíbrio entre o dever de colaboração com as autoridades públicas e a manutenção da relação de confiança com o cliente (BADARÓ; BOTTINI, 2016, p. 42).
Por conseguinte, considerando que as exchanges operam com criptoativos que possuem alto grau de criptografia em razão da própria estrutura digital das “moedas” e, ainda hoje, muitas delas permitem que clientes anônimos operem em suas estruturas, sem conceder quaisquer dados pessoais – ou, quando concedem, o fazem de forma insuficiente para a determinação de rastros de cometimento de condutas criminosas –, o dever de informação atribuído às exchanges seria instrumento preventivo inestimável para o combate aos crimes financeiros.
Não obstante, os fatores que compõem a natureza jurídica dos criptoativos preteritamente expostos impedem, ao menos a priori, a implementação da obrigação de informação das exchanges às autoridades públicas, quais sejam: criptoativos não são moedas – ao menos em tese –, instrumentos cambiais, títulos, valores mobiliários ou nenhum outro ativo considerado pela lei de lavagem de capitais, sendo assim, não se submeteriam ao dever de informação.
3. DA POSSIBILIDADE DE LAVAGEM DE DINHEIRO COM CRIPTOATIVOS
Superadas as referências necessárias sobre a natureza jurídica dos criptoativos, suas características, dificuldades para a investigação de crimes com o uso de moedas digitais e a explanação inicial sobre a tipologia do crime de lavagem de capitais, faz-se necessário integrar as criptomoedas no “ritual criminoso” da lavagem de capitais.
Para tal finalidade, é oportuno recordar a estrutura básica do delito sob análise, trifásica e recepcionada pela maior parte dos países que possuem legislações específicas de combate à lavagem de dinheiro, qual seja: a colocação (ou iniciação), dissimulação e reintegração.
A primeira fase da lavagem é caracterizada por promover o distanciamento do proveito criminoso do delito que o gerou. Logo, no crime de tráfico de drogas – para melhor ilustração –, a colocação é descrita pela compra de bens (como carros) com o dinheiro advindo, diretamente, da venda de entorpecentes. Dessa forma, promove-se o afastamento do dinheiro sujo de sua fonte criminosa.
No contexto das moedas digitais, pode-se exemplificar a fase inicial da lavagem pelo uso do proveito econômico do crime antecedente para a compra de criptomoedas como o bitcoin, o que pode ser feito em exchanges, pela compra direta de outros usuários (peer-to-peer) ou simplesmente quando a atividade criminosa é diretamente remunerada com moedas digitais.
A respeito da facilidade proporcionada pelas criptomoedas na primeira fase da lavagem de capitais, Xesús Pérez López (2017, p. 156) explica que:
Contempladas desde el punto de vista de la lucha del blanqueo de capitales, las ventajas de estas prácticas para los criminales pueden resumirse en una: éstas permiten cubrir de manera relativamente sencilla la primera fase del proceso de blanqueo de capitales, la colocación: precisamente aquélla en la que la acción de las autoridades puede resultar más eficaz.
A dissimulação é a fase do processo em que ocorre a ocultação propriamente dita, visto que é o momento em que se efetiva a transformação do capital sujo para o capital limpo, tornando-o apto a ser reinserido na economia formal. Nos crimes com o uso do bitcoin, por exemplo, notabiliza-se o uso dos chamados mixing-services como mecanismos atuantes na mescla de ativos digitais com a intenção de ocultar o rastro da operação, impedindo que se descubra sua origem criminosa.
Desse modo, a mescla dos ativos digitais pode ser feita nas próprias web-wallets localizadas em exchanges, pois o proprietário de uma carteira digital não possui os valores em sua conta, mas apenas uma pretensão de pagamento em relação aos valores ali depositados. Portanto, quando o proprietário de uma carteira necessita fazer o pagamento de um determinado valor, será feito pela exchange prestadora do serviço, mas não necessariamente com as mesmas moedas constantes de sua carteira digital.
De outro lado, poderá também haver a contratação de serviços especializados de mixing, em que cada usuário remete uma quantidade de moedas para o mixer e solicita que esse valor seja enviado para um determinado endereço eletrônico – espécie de conta
bancária. O trabalho do mixer é, basicamente, misturar diversas moedas oriundas de diversos locais a ponto de não ser possível identificar qual é a origem de cada uma delas.
Ao final, o mecanismo de mixing funciona de forma semelhante à mescla de capitais em contas bancárias, em que não se pode precisar qual é o ativo lícito e o ilícito quando da mistura deles em uma mesma conta.
Acerca disso, faz-se necessário trazer um esclarecedor apontamento da professora Heloisa Estellita sobre o uso de bitcoin na fase de dissimulação da lavagem de dinheiro, in verbis:
A dissimulação pode ser diferenciada em simples e complexa. A simples se dá ante a possibilidade de que uma mesma pessoa possa gerar infinitas chaves públicas, mudando o endereço dos BTCs sem que o usuário perca o controle sobre eles. Também se pode usar os endereços de BTCs de terceiros ou mesmo de agentes financeiros. Em qualquer desses casos, porém, o caminho e o rastro das transações serão facilmente identificáveis, dada a transparência do blockchain. A identidade dos usuários, ou seja, dos titulares dos endereços de BTC, contudo, não é passível de conhecimento a partir dos dados do sistema (GRZYWOTZ, 2019, p. 104). É essa combinação entre alta rastreabilidade e não identificação do titular do endereço que permite falar em pseudoanonimidade, e não em uma anonimidade total (ESTELLITA, 2020, p. 4).
Por fim, a fase de reintegração é marcada pelo retorno do proveito econômico do delito à economia formal, normalmente reinserido para o financiamento da própria atividade criminosa. Pode-se citar, a título de exemplo da reintegração do capital lavado com criptomoedas, a compra de bens ou serviços com bitcoin pela aquisição direta com outros usuários por operações peer-to-peer, tendo em vista que o uso de exchanges para a reintegração do capital pode levar ao descobrimento da movimentação criminosa.
Complementando o raciocínio em torno dos mecanismos de lavagem de capitais protagonizados com criptomoedas, é proveitoso trazer explanação de Christiana Mariani da Silva Telles, em dissertação de mestrado apresentada perante a escola de direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV), a seguir destacada:
[U]ma alternativa recente para a integração dos recursos no sistema econômico (terceira etapa) seria a participação em Initial Coin Offerings (ICOs), ou seja, em ofertas de novas criptomoedas em troca de bitcoins ou de outras criptomoedas. Os ICOs são uma forma de adquirir ativos (as novas criptomoedas, chamadas de tokens ou coins) que não estão ligados a atividades criminosas e que podem ser posteriormente vendidos de forma legítima, gerando receita de origem lícita para seus titulares. Outra opção seria a realização de investimento em mineradoras, atividade que não é controlada e pode resultar na aquisição (pretensamente) legítima da
criptomoeda em questão, a qual, uma vez alienada, pode gerar ganhos de fonte lícita. Pode-se aventar, também, a manipulação de preços de compra e venda de bitcoins capaz de gerar ganhos que, embora artificiais, teriam fonte aparentemente legítima. A aquisição de bens e serviços de pessoas físicas ou jurídicas não sujeitas à regulação mediante pagamento em bitcoins é mais uma possibilidade, já que pode ser realizada sem a prestação de informações que possam identificar o titular das criptomoedas (TELLES, 2018, p. 58).
Todavia, apesar dos meios apresentados que possibilitam formas mais eficazes de ocultar a origem criminosa do capital branqueado, ainda há oposições de ordem doutrinária em torno da eficácia concreta da lavagem de dinheiro ilícito por intermédio de criptomoedas. Dentre elas, está a insurgência em torno da pseudoanonimidade, característica dos criptoativos que não permite uma anonimidade absoluta das transações digitais, mas tão somente uma mitigação da transparência propriamente dita.
Isto é, por utilizarem a tecnologia blockchain, os criptoativos permitem o pleno rastreamento das operações – por estarem todas registradas em um “bloco” público de registro – sendo possível, para qualquer um, saber para onde determinadas moedas digitais estão sendo enviadas, mas não por quem (daí a pseudoanonimidade já estudada).
Sob outro aspecto, as criptomoedas não seriam um meio eficaz para lavar grandes cifras monetárias, tendo em vista que há, ainda hoje, um número pouco significativo de ativos em circulação, fator que proporciona a baixa liquidez do ativo, impossibilitando manobras financeiras de grande porte de forma ágil e discreta.
Também é preciso ressaltar a dificuldade ainda presente de se converter moedas digitais em moedas de curso legal (dólar, euro, real etc.) por meio de um “mercado negro” paralelo à economia formal de modo que não chame a atenção das autoridades estatais, tendo em vista a escassez de comércios legais que aceitam criptomoedas como meio de troca. Portanto, em determinadas ocasiões, o agente criminoso pode acabar tendo que utilizar o sistema financeiro estatal, expondo-se aos procedimentos antilavagens.
Pretende-se trazer no presente trabalho a breve reflexão em torno da possibilidade dos criptoativos ocuparem a posição de objeto material do crime de lavagem de dinheiro, considerando-se que, conforme delineado, padecem de regulamentação específica e concreta acerca de sua natureza jurídica.
Para estabelecer parâmetros fundamentadores da reflexão pretendida nas linhas que se seguem faz-se breve citação da professora Heloisa Estellita, em resenha da tese de
doutorado da Johanna Grzywotz, apresentada em 2018, perante a faculdade de direito da Friedrich-Alexander-Universität Erlangen-Nürnberg:
Um BTC é uma cadeia de assinaturas, que tem um valor de mercado, o qual, por meio da detenção da chave privada, dá ao seu detentor ou detentores a possibilidade fática e exclusiva de disposição sobre eles (GRZYWOTZ, 2019, p. 209). Isso posto, as interpretações gramatical, histórica e sistemática não permitem qualificar as BTCs nem como coisas (Sachen), nem como pretensões jurídicas (Forderungsrecht) (GRZYWOTZ, 2019, p. 205-220). Também não são meios legais de pagamento, o que lhes retira a característica de dinheiro (ESTELLITA, 2020).
Nesse contexto, considerando que os bitcoins (BTC, ou qualquer outra moeda digital) são cadeias de assinaturas, cujas transações se operacionalizam por meio de tecnologias públicas de blocos (blockchain) e geradas por meio de processos matemáticos promovidos por agentes privados que detêm avançado conhecimento matemático e digital, não poderiam funcionar como meios legais de pagamento.
Logo, seu valor de troca está condicionado à recepção dos usuários ao seu uso, isto é, criptomoedas têm valor porque um determinado grupo de usuários atribuiu valor a esse instrumento como meio de troca. Desse fato extrai-se a volatilidade do ativo e, também, sua provável impossibilidade de protagonizar um crime de lavagem de capitais como objeto material.
Cita-se, a título de exemplo, recente acontecimento que fez com que o valor do bitcoin alcançasse alta de 17% em um dia, batendo o recorde de US$ 44.220 por unidade, após a Tesla ter investido US$ 1,5 bilhão na criptomoeda e Elon Musk tuitar a hashtag “#bitcoin”9.
Por consequência, o impacto revolucionário dos criptoativos na economia do século 21 advém do fato de que praticamente qualquer bem e direito pode adquirir valor de troca no “mundo exterior”, independente de positivação jurídica a respeito de sua relevância econômica.
Neste sentido, Telles nos acrescenta que:
Não obstante, mesmo que restem dúvidas acerca da natureza jurídica dos bitcoins, são inteiramente aplicáveis à hipótese as conclusões de André Luís Callegari no sentido de que a interpretação mais correta é a de que “a descrição típica compreende todas as possibilidades de revelação dos bens e direitos no mundo exterior”. Na mesma linha destaca-se o entendimento de Wilfried Bootke, para quem um “bem é tudo o que serve como ‘objeto de direito’ (Rechtsobjekt), porque ao ser objetivado em um direito
transferível pode adquirir valor de troca no mercado. “Em resumo, trata-se, conforme afirma Pierpaolo Cruz Bottini de “coisas que carregam alguma espécie de valor”, exatamente como ocorre com os bitcoins (TELLES, 2018, p. 67).
No entanto, há determinados fatores caracterizadores das criptomoedas que impediriam que elas fossem objeto material do delito de lavagem, como o fato de não serem valores mobiliários – conforme afirmado no relatório semestral julho/dezembro de 2017 da CVM – e nem como ativos financeiros.
A respeito da pretensa natureza jurídica de ativo financeiro atribuída às criptomoedas, ela mostra-se duvidosa, pois, apesar da necessidade de declaração no imposto de renda, por força da instrução normativa publicada pela Receita Federal do Brasil mencionada no início deste trabalho, tal fato não faz com que, por si só, as criptomoedas passem a ser consideradas ativos financeiros.
Para compreender a reflexão que aqui se propõe, faz-se necessário que se explique que os ativos financeiros são instrumentos para a realização de operações financeiras, constituindo-se como ativos patrimoniais intangíveis que geram expectativa de rentabilidade econômica em curto ou longo prazo, podendo ser liquidáveis no mercado. Por conseguinte, pode-se concluir que criptomoedas não poderiam, ao menos a priori, ser caracterizadas como ativo financeiro, pois: (1) não geram qualquer passivo financeiro, visto que o agente que liquida suas criptomoedas apenas as transfere a terceiro, isto é, o valor exprimido em criptomoedas não sai do patrimônio do proprietário, apenas passa a ser representado por outro instrumento; e (2) não são fonte de obrigações, não criam vínculos de direitos e obrigações entre os usuários e, portanto, não podem constituir-se em créditos (PÉRICO; Giuranno; TAKEHARA; OLIVEIRA; et. al., 2020).
A ausência de natureza cambiária ou mobiliária das criptomoedas impediria seu protagonismo como objeto do crime de lavagem, pois não se constituíram em bens, direitos ou valores aptos a serem derivados, direta ou indiretamente, de infrações penais, conforme a dicção do art. 1º da Lei 9.613/98.
Sob outra perspectiva, ainda que se admitisse a hipótese de criptomoedas possuírem natureza cambiária ou monetária, seria necessário enfrentar a possibilidade de tipificação de lavagem de capitais nas modalidades “ocultar” e “dissimular”.
Partindo-se do pressuposto apresentado, quando da explanação acerca das características das moedas digitais, de que as transações efetuadas estão todas disponíveis, publicamente, no blockchain, podendo-se identificar o remetente e o destinatário das operações, não haveria que se falar de ocultação de operações ilícitas – no sentido de esconder das autoridades públicas a existência da operação –, pela própria natureza do uso das criptomoedas (ESTELLITA, 2020).
Acrescente-se, ainda, que mesmo a utilização dos serviços de mixing não preenche os elementos inerentes à tipificação da ocultação de operações ilícitas, tendo em vista que eles visam tão somente criar confusão dos valores através da realização de diversas operações para um emaranhado de wallets diferentes, mas ainda assim preserva a publicidade dos remetentes e destinatários. Contudo, o uso dos referidos serviços poderia, em tese, indicar lavagem de capitais na modalidade “dissimular”.
As transações de troca de criptoativos por moeda de curso legal, ou de criptoativos por outros criptoativos, ou simplesmente de criptoativos por bens, também apresentam uma grande dificuldade de tipificação de lavagem tanto na modalidade “ocultar” quanto na modalidade “dissimular” pela própria rastreabilidade das transações, podendo-se identificar facilmente que houve a troca ou transferência de ativos de uma wallet para outra.
Vale mencionar, por oportuno, apontamento da professora Heloisa Estellita sobre o incremento do risco nas operações com criptomoedas, a seguir:
Finalmente, a operação de uma empresa de serviços com BTCs (as exchanges, no sentido da INRFB n. 1888/2019) pode, porém, gerar riscos de prática de lavagem, seja na modalidade de autoria, seja na de participação. Esses riscos estão especialmente associados aos operadores de mixing-services: para que BTCs ilegais sejam misturados, a disponibilidade sobre eles precisa ser transferida temporariamente ao provedor do mixing-service, o que poderia caracterizar a guarda para fins de ocultação ou dissimulação do nosso art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.613/1998 (ESTELLITA, 2020).
Pode-se concluir, portanto, que as criptomoedas oferecerem um sistema eletrônico-financeiro demasiadamente exposto à prática de lavagem de capitais, mas que, em razão da precária regulamentação legal dos aspectos que envolvem e operacionalizam as transações, pode se tornar um risco às impertinências advindas da necessidade de interpretações jurisprudenciais com base em referenciais distantes do ordenamento jurídico brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No curso do presente trabalho, objetivou-se a provocação e rediscussão de tema atual e de grande preocupação dos estudiosos das ciências criminais que, quando da análise de situações concretas, veem-se sem um norte normativo satisfatório para a análise de condutas danosas – e possivelmente criminosas – envolvendo o uso de criptomoedas como o bitcoin.
Nesse sentido, a ausência quase absoluta de uma legislação que regule de forma clara e segura o papel dos criptoativos na economia formal faz com que, na ausência da principal fonte do direito brasileiro, necessite-se do socorro interpretativo advindo da análise de ordenamentos jurídicos semelhantes, que possuam maior experiência com o acelerado avanço tecnológico e suas influências na seara criminal.
Sendo assim, conforme se analisou na presente explanação, à luz da escassa – porém cristalina e brilhante – doutrina e jurisprudência até então existentes sobre o tema, seria possível concluir que não há ainda, no ordenamento pátrio, dispositivos legais claros e acertados o suficiente para concluir pela configuração de práticas criminosas no uso de criptomoedas com o objetivo de lavar o proveito econômico de crimes antecedentes.
Tal conclusão deve-se ao fato de que, ao menos até o momento, os criptoativos não possuem qualquer natureza jurídica aceita de forma pacífica dentro do sistema financeiro nacional, apesar de ser um ativo utilizado para investimento e troca – muitas vezes anonimamente.
Na falta de um padrão que consolide uma interpretação favorável, ou não, à pergunta central do presente trabalho – se é possível a lavagem de capitais com criptomoedas –, deve-se concluir pela impossibilidade de seu uso como objeto material do crime sob análise, haja vista que, conforme se explanou, não há um consenso quanto à sua natureza de moeda ou câmbio, de ativo financeiro ou de fonte de obrigações.
Ante o exposto, e pelo que se pode concluir da ausência de natureza jurídica relevante a elas atribuídas, poderiam as criptomoedas ser comparadas ao dinheiro do Monopoly10, que só tem valor dentro do jogo, em razão de seus usuários atribuírem valor a ele de maneira específica.
Portanto, seria possível a seguinte comparação, para melhor ilustrar a conclusão aqui apresentada: suponhamos que determinado grupo de pessoas – o qual se denominará Grupo A – comece a considerar que o dinheiro do Monopoly possui valor monetário real
para as trocas realizadas entre os integrantes desse grupo, e o valor de cada unidade monetária cresce à medida que os membros do grupo confiam mais na estabilidade dessa moeda. Os integrantes do Grupo A realizam compras e vendas entre si com o dinheiro do Monopoly, como financiar serviços entre eles, compra de bens etc.
Ocorre que, em determinado dia, um ladrão de bancos, que precisa lavar $10.000 em dinheiro procura um dos integrantes do Grupo A – o qual se chamará de integrante X – e pede que ele fique com a quantia roubada, troque-a por dinheiro do Monopoly dentro do Grupo A e efetue diversas operações dentro do grupo, com o objetivo de dividir a quantia equivalente, dissimulando a origem do capital sujo que foi transformado em dinheiro do Monopoly.
Passado certo tempo após as operações, o integrante X é procurado pelo ladrão de bancos, que solicita que aquele transforme, dentro do grupo, o dinheiro dissimulado do Monopoly e devolva a ele a quantia originariamente emprestada em moeda de curso legal – retirando $ 2.000 pela efetuação do serviço de dissimulação.
No contexto apresentado, o dinheiro do Monopoly são as criptomoedas – o bitcoin, por exemplo – e o ladrão de bancos é um criminoso tentando lavar determinada quantia transformando-a em bitcoin e contratando um serviço de mixing.
Desse modo, nota-se que não houve, em momento algum, a transformação do capital ilícito em outro capital para fins de mistura, pois o bitcoin – ou dinheiro do Monopoly, no exemplo – nem ao menos é capital, câmbio ou ativo. Assim, não seria possível, ao menos em tese, a lavagem do capital ilícito pela sua transformação em criptomoedas. É como se, em realidade, o bitcoin/dinheiro do Monopoly fosse um “não bem”, impossibilitando sua transformação e, portanto, sua lavagem.
REFERÊNCIAS
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Criptomoeda e o crime de lavagem de capitais/doutrina, 1
Lavagem de dinheiro, 1
LEONARDO DE TAJARIBE RIBEIRO HENRIQUE JR.: Criptomoeda e o crime de lavagem de capitais/doutrina, 1
FICHA TÉCNICA // Revista Bonijuris Título original: Criptomoedas como objeto material do crime de lavagem de capitais. Title: Cryptocurrencies as a material object of the crime of money laundering. Autor: Leonardo de Tajaribe Ribeiro Henrique Jr. Advogado criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). Resumo: O bitcoin tem se destacado como moeda digital (ou criptomoeda) de grande expressão econômica, podendo servir tanto como instrumento cambiário quanto como investimento, considerado por alguns como o “ouro do século 21”. Contudo, diversos crimes praticados com o uso de moedas digitais já são do conhecimento público, como o pagamento à assassinos de aluguel e a possibilidade de uso do “sistema das criptomoedas” para a prática da lavagem do proveito econômico de atividades ilícitas. Criptomoedas podem ser comparadas ao dinheiro do jogo Monopoly, que só tem valor dentro do jogo, em razão de seus usuários atribuírem valor a ele naquele momento, e em uma situação específica. Palavras-chave: CRIPTOMOEDAS; DIREITO PENAL; LAVAGEM DE DINHEIRO; TIPIFICAÇÃO; CRIMES FINANCEIROS. Abstract: Bitcoin has stood out as a digital currency (or cryptocurrency) of great economic expression, being able to serve both as an exchange instrument and as an investment, considered by some as the “gold of the 21st century”. However, several crimes committed with the use of digital currencies are already public knowledge, such as paying murderers for hire and the possibility of using the “cryptocurrency system” to launder the economic benefit of illegal activities. Cryptocurrencies can be compared to Monopoly game money, which only has value within the game, because its users attribute value to it at that moment, and in a specific situation. Keywords: CRYPTOCURRENCIES; CRIMINAL LAW; MONEY LAUNDRY; TYPIFICATION; FINANCIAL CRIMES. Data de recebimento: 07.07.2021. Data de aprovação: 05.08.2021. Fonte: Revista Bonijuris, vol. 33, n. 5 – #672 – out./nov. 2021, págs … . Editor: Luiz Fernando de Queiroz, Ed. Bonijuris, Curitiba, PR, Brasil, ISSN 1809-3256 (juridico@bonijuris.com.br).
NOTAS 1 AMARO, Lorena. Forbes: Bitcoin pode ser no século XXI o que foi o ouro no século XX. Criptofácil, 19 maio 2020. Disponível em: https://bit.ly/3s5t9fG Acesso em: 09 ago. 2021. 2 RÚSSIA afirma que Bitcoin é usada para pagar crimes anônimos. UOL, 18 jan. 2021. Economia. Disponível em: https://bit.ly/2XdmNjd Acesso em: 09 ago. 2021. 3 Termo utilizado para se referir às operações “par a par”, caracterizadas pela ausência de um intermediário atuante entre o comprador e o vendedor. 4 Conforme definição contida no art. 1º, “d”, 18, da Diretiva 2018/843 do Parlamento Europeu para prevenção do uso do sistema financeiro para lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo: “custodian wallet provider” means an entity that provides services to safeguard private cryptographic keys on behalf of its customers, to hold, store and transfer virtual currencies.” 5 Espécie de software malicioso que visa a bloquear determinado arquivo ou até um sistema inteiro e cobrar um resgate monetário para a sua liberação. Comumente, o resgate é cobrado em criptomoedas. 6 Dá-se preferência ao emprego do termo “know your customer” no lugar de “know your client”, considerando-se que as exchanges utilizadas para transacionar os criptoativos são meros intermediários das transações, não havendo uma relação de cliente/consumidor, mais sim usuário (customer). 7 Espécie de agente intermediário para a compra de criptomoedas. 8 Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF), de 6 de março de 2020. Disponível em: https://bit.ly/3jAM5PW Acesso em: 09 ago. 2021. 9 Por que a Tesla investiu US$ 1,5 bilhão em bitcoins e como isso pode afetar seu futuro. BBC News Brasil, 9 fev. 2021. Disponível em: https://bbc.in/3AqNLSF Acesso em: 09 ago. 2021. 10 Jogo de tabuleiro em que os jogadores compram terrenos e demais empreendimentos imobiliários e visam a aumentar a sua fortuna utilizando “dinheiro” feito de papel pintado que só tem valor dentro do jogo. No Brasil, é chamado de “Banco Imobiliário”.