Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson MESTRE EM DIREITO CONSTITUCIONAL PELA UFRN
Em um conceito contemporâneo de direito internacional público1 afere-se a ampliação dos membros da sociedade internacional2, a qual era composta, antigamente, apenas pelos estados, sendo inequívoca, hoje, a importância das organizações internacionais3, por exemplo, dentre outros sujeitos.
Quando do estudo mais minucioso da atuação dos estados nacionais bem como das organizações internacionais na dinâmica dessa sociedade internacional complexa e multifacetada, depara-se com um assunto envolto em debates e controvérsias: a questão da imunidade de jurisdição. Em síntese, a imunidade de jurisdição versa sobre o estudo da possibilidade de atos de entidades públicas estrangeiras serem julgados por autoridades estatais do local onde possuem atuação. A título de exemplo, poderia a Justiça brasileira conhecer demanda litigiosa em relação a determinado ato praticado pela embaixada alemã sediada em Brasília?
No plexo das possíveis lides envolvendo entidades públicas externas há conflitos inerentes às relações de trabalho, visto que figuras como embaixadas, consulados e organismos internacionais, inevitavelmente, acabam por contratar empregados no âmbito do estado acreditado (v.g., motorista, jardineiro, vigia, segurança, cozinheiro, lavadeira, mordomo, recepcionista etc.).
Em face da importância do Brasil no cenário do comércio internacional, há mais de 130 embaixadas residentes no país (a maioria com sede em Brasília/DF), além de outra centena de entidades consulares espalhadas pelo território nacional4. Isso sem mencionar o imenso quantitativo das organizações internacionais com escritório no Brasil.
Apesar de não possuir uma estatística com o quantitativo de empregados de nacionalidade brasileira vinculados a essas entidades públicas externas, pode-se concluir, por dedução, que há um número não desprezível de trabalhadores atuando no bojo dessas entidades estrangeiras e, consequentemente, uma potencialidade significativa de possíveis litígios na seara trabalhista.
De tal sorte, a questão que o presente ensaio busca solucionar é se seria possível determinar se a imunidade jurisdicional do Estado, no que tange à matéria trabalhista, é absoluta; se há alguma possibilidade de relativização ou mitigação no bojo de uma reclamação trabalhista.
No processo de construção da retórica argumentativa com o desiderato de responder à questão, faz-se necessário atentar para as possíveis hipóteses de solução à questão divergirem quando se esteja a tratar das organizações internacionais ou de órgãos dos estados (missões diplomáticas e consulados).
Outro aspecto é: caso se conclua pela hipótese da relativização da imunidade de jurisdição, seria essa mitigação abrangente tanto para o processo de conhecimento quanto para o processo de execução trabalhista?
1. DA IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO – ASPECTOS GERAIS
A soberania é uma característica essencial do Estado, repercutindo de maneira que todas as pessoas e bens que se encontrem no seu território a ele fiquem submetidos. Por óbvio, há mitigações a esse regramento, não tendo ele status absoluto. É exatamente neste ponto que se tem a imunidade de jurisdição, em que determinadas pessoas estão revestidas de um “manto protetor” que as resguarda do poder jurisdicional (faceta da soberania) de determinado estado5.
O fundamento da imunidade de jurisdição decorre do antigo princípio par in parem non habet judicium (entre iguais não há jurisdição). Este princípio nos remete ao tratado de Westfália (1648), o qual pôs fim à guerra dos trinta anos e demarcou o surgimento do direito internacional público como ciência jurídica autônoma, tendo por mérito, naquele momento histórico, o reconhecimento, na seara internacional, pela primeira vez, do postulado da igualdade formal entre os estados europeus6.
Visto o reconhecimento dessa igualdade formal entre os estados (aceitação da soberania estatal alheia)7, tem-se o impedimento da imposição do poder jurisdicional de um estado em relação ao outro, salvo, é claro, em face do consentimento do estado estrangeiro.
O fato acarretou que o valor normativo da regra da imunidade de jurisdição estatal se dá em garantir uma atuação de pessoas físicas e jurídicas no seio das relações internacionais sem embaraços e constrangimentos no atuar de suas funções8.
Em meados do século 20, com a intensificação da globalização e o aumento da interdependência entre os estados, nos vimos diante de situações em que a imunidade de jurisdição estatal estava sendo utilizada de forma leviana para isentar a reponsabilidade de atos ilícitos, o que acarretava a ausência de confiança no seio da sociedade internacional.
Precisamente na década de 1960, começa a se vislumbrar a possibilidade de relativizar a imunidade de jurisdição estatal fazendo a distinção entre atos de império (jure imperium) e atos de gestão (jure gestionis). Os atos de império são aqueles relacionados com a atuação soberana e interesses próprios do estado (v.g., assinatura de convenções, concessão de vistos e emissão ou de passaporte etc.). Já os atos de gestão configuram situações em que a entidade estatal está equiparada à entidade particular em suas relações jurídicas (v.g., compra e venda de bens móveis e imóveis, locação, contratação de serviços, contrato de natureza trabalhista etc.). Ou seja, atos de império permaneceriam revestidos com a imunidade de jurisdição; todavia, os atos de gestão poderiam ser analisados pelo Poder Judiciário do estado acreditado.
É curial destacar que o Brasil, no presente momento, não é signatário de nenhuma convenção específica sobre a imunidade de jurisdição do estado, sendo o costume internacional a única fonte jurídica a reger a matéria no sistema jurídico brasileiro.
Em sede internacional, a matéria da imunidade de jurisdição é versada na Convenção da Basileia (1972), sendo partícipes diversos estados europeus. Além disso, alguns países criaram leis internas específicas sobre a matéria, como os Estados Unidos (Foreign Sovereign Immunities Act) e o Reino Unido (State Immunity Act)9.
2. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA E A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
2.1. Competência da Justiça do Trabalho
A Constituição Federal de 1988 foi sensivelmente alterada pela Emenda Constitucional 45/04, em especial com mudanças referentes ao Poder Judiciário.
Destaca-se, para fins deste ensaio, o art. 114, I, da Constituição, que determina, entre outros aspectos, a competência da Justiça do Trabalho em face de ações fruto de relação de trabalho decorrentes de entidades de direito público externo10. In verbis: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I − as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
A figura das entidades de direito público externo é bem definida no art. 42 do Código Civil: “São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público”.
O art. 114, I, da Constituição acarretou, inicialmente, entendimento equivocado de que a regra constitucional teria posto término a imunidade jurisdicional dos estados nacionais, o que em verdade não ocorreu. Os institutos da jurisdição e da competência não se confundem, sendo institutos basilares da teoria geral do processo. A jurisdição constitui forma de heterocomposição para solução dos conflitos em que terceiro imparcial declara o direito de maneira criativa e de forma imperativa11. Já a competência constitui fruto de conjunto de regras com o desiderato de atribuir aos diversos órgãos o desempenho da jurisdição12. A jurisdição é um poder estatal decorrente da soberania, sendo ela una, ao passo que a competência é o limite do exercício desse poder.
A consequência prática do dispositivo constitucional foi a mudança da competência, posto que as questões trabalhistas envolvendo pessoa jurídica de direito público externo era da alçada da Justiça Federal, sendo, agora, após a Constituição de 1988, de competência da Justiça do Trabalho13.
Sem dúvida que a correção foi acertada pelo constituinte de 1988, transferindo a matéria para o órgão judiciário especializado na temática.
2.2. Demanda trabalhista perante estado estrangeiro
Em sede de conflitos de natureza laboral envolvendo estado estrangeiro, o qual se dá, geralmente, em face de um vínculo empregatício perante uma embaixada ou consulado acreditado no país, em um primeiro momento, de forma açodada, poderia se dizer que não seria possível o recebimento da reclamação trabalhista pela justiça trabalhista brasileira em razão da imunidade de jurisdição com fundamento nas Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Relações Consulares, as quais foram ratificadas pelo Brasil em 1965 e 1967, respectivamente.
Em uma análise atenta sobre as referidas convenções afere-se que, fruto de um processo de codificação dos costumes14, elas versam a respeito de imunidade e privilégios de natureza pessoal do corpo diplomático e consular que compõe as missões diplomáticas e as repartições consulares. Ou seja, não há qualquer dispositivo convencional nos referidos diplomas que garanta imunidade jurisdicional, no âmbito trabalhista, do estado acreditante ao estado acreditado15.
O único regramento que há se refere à inviolabilidade dos locais da missão diplomática e consular, de sorte que seus bens e meios de transporte não poderão sofrer medidas de busca e apreensão, requisição, embargos ou medidas de execução:
Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas
Artigo 22
1. Os locais da Missão são invioláveis. Os Agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão.
2. O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer
intrusão ou dano e evitar perturbações à tranquilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade.
3. Os locais da Missão, sem mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução. (Grifos nossos)
Convenção de Viena sobre Relações Consulares
Artigo 31º
Inviolabilidade dos locais consulares
1. Os locais consulares serão invioláveis na medida do previsto pelo presente artigo.
2. As autoridades do Estado receptor não poderão penetrar na parte dos locais consulares que a repartição consular utilizar exclusivamente para as necessidades de seu trabalho, a não ser com o consentimento do chefe da repartição consular, da pessoa por ele designada ou do chefe da missão diplomática do Estado que envia. Todavia, o consentimento do chefe da repartição consular poderá ser presumido em caso de incêndio ou outro sinistro que exija medidas de proteção imediata.
3. Sem prejuízo das disposições do parágrafo 2 do presente artigo, o Estado receptor terá a obrigação especial de tomar as medidas apropriadas para proteger os locais consulares contra qualquer invasão ou dano, bem como para impedir que se perturbe a tranquilidade da repartição consular ou se atente contra sua dignidade.
4. Os locais consulares, seus móveis, os bens da repartição consular e seus meios de transporte não poderão ser objeto de qualquer forma de requisição para fins de defesa nacional ou de utilidade pública.
Se, para tais fins, for necessária a desapropriação, tomar-se-ão as medidas apropriadas para que não se perturbe o exercício das funções consulares, e pagar-se-á ao Estado que envia uma indenização rápida, adequada e efetiva. (grifos nossos)
O que se verifica na senda do costume internacional16, na contemporaneidade, é a não aceitação da imunidade de jurisdição do estado de forma absoluta quanto a lides trabalhistas17. Entretanto, é imprescindível fazer uma interpretação ponderada e condizente com o costume internacional em evolução e o regramento prescrito nos arts. 22 e 31 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e Relações Consulares, respectivamente.
Com base no escopo constitucional (art. 114, I, da CF), de fato não há imunidade de jurisdição do estado estrangeiro perante o processo de conhecimento trabalhista. Isto é, em todos os conflitos de natureza trabalhista perante entidade de direito público externo a Justiça brasileira possui jurisdição para conhecer, sendo da competência da Justiça do Trabalho18.
Todavia, situação diversa se apresenta no momento da execução trabalhista, posto que ao ser reconhecido o pleito da reclamação trabalhista e não ocorrendo o cumprimento voluntário da sentença condenatória, a execução ficaria frustrada face à inviolabilidade das missões diplomáticas e das repartições consulares, as quais, de forma geral, não podem sofrer medidas de execução19. Trata-se de uma norma convencional com a qual o Brasil está compromissado20.
Apesar desse contexto de que não há imunidade de jurisdição do processo de conhecimento trabalhista, existindo na órbita do processo de execução trabalhista, não se vem propugnar pela inutilidade de judicializar a demanda trabalhista visto a possibilidade de sua inexecução.
Primeiramente, a sentença trabalhista pode acabar sendo cumprida espontaneamente pelo estado estrangeiro, em função do princípio da boa-fé processual, o que de fato muitas vezes ocorre. Pode ocorrer, no processo de execução, a renúncia expressa da imunidade de jurisdição por parte do estado estrangeiro, o que permitiria a livre penhora dos bens de missão diplomática e consular.
Perceba-se, ainda, que a imunidade de jurisdição sobre a execução não subsistiria em relação a bens que não estejam relacionados a atuação diplomática ou consular, ou seja, bens desafetados das funções diplomáticas e consulares podem ser penhorados21.
Resta ainda o encaminhamento da sentença trabalhista para homologação no estado estrangeiro, com o fito de dar executoriedade à referida sentença em território estrangeiro, conforme as regras de cooperação jurídica internacional, com fundamento nos tratados em que o Brasil for partícipe ou com base na reciprocidade22.
Em sede doutrinária, o entendimento do professor Mauro Schiavi alude à tese de que se a Justiça do Trabalho possui competência para conhecer a matéria referente a pessoas jurídicas públicas de direito externo, possui competência para executar suas determinações:
Em que pese o respeito que merece o entendimento acima mencionado, com ele não concordamos. Com efeito, a Constituição não restringe, no inciso 1, a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as demandas oriundas da relação de trabalho que envolvem as pessoas jurídicas de direito público externo. Se há a competência para processar, também haverá para executar a decisão. De que adianta a Justiça do Trabalho poder condenar se não puder executar? Ou a demanda trabalhista se processa por inteiro ou, então, a Justiça do Trabalho somente atuará pela metade. No nosso sentir, quando um ente de direito público externo contrata um empregado brasileiro, dentro do território brasileiro, pelo regime de CLT, despe-se do poder de império para se equiparar ao empregador privado.23
2.3. A imunidade de jurisdição do Estado em lides trabalhistas na jurisprudência do STF
A matéria encontra-se plasmada nos precedentes mais recentes do Supremo Tribunal Federal.
Historicamente, em um julgado de 1987 que envolvia reclamação trabalhista contra a embaixada espanhola, sendo condenada à revelia, a suprema corte reconheceu a imunidade de jurisdição de forma absoluta, face os costumes internacionais e da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, só podendo ser afastada essa imunidade em caso de renúncia:
Apelação cível contra decisão prolatada em liquidação de sentença. imunidade de jurisdição do estado estrangeiro.
− Esta corte tem entendido que o próprio estado estrangeiro goza de imunidade de jurisdição, não só em decorrência dos costumes internacionais, mas também pela aplicação a ele da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, de 1961, nos termos que dizem respeito a imunidade de jurisdição atribuída a seus agentes diplomáticos.
− Para afastar-se a imunidade de jurisdição relativa à ação ou a execução (entendida está em sentido amplo), e necessário renúncia expressa por parte do estado estrangeiro. não ocorrência, no caso, dessa renúncia.
Apelação cível que não se conhece em virtude da imunidade de jurisdição.24
Destaca-se que essa decisão está de acordo com precedentes da década de 1970, em que foi reconhecida a existência de imunidade de jurisdição de forma absoluta em um caso envolvendo o Consulado Geral da Argentina:
Embora não se reconheça caráter representativo e diplomático aos cônsules, não se lhes pode desconhecer a qualidade de agentes públicos dos Estados que os enviam. Nessa qualidade, os cônsules “missi” gozam de imunidade de jurisdição, no tocante aos atos funcionais, praticados dentro dos limites de sua competência. Para confirmar a decisão da Justiça Trabalhista, que reconheceu essa imunidade, nega-se provimento ao recurso.25
Já em julgado de 1989, no contexto da nova Constituição em vigor, tem-se a mudança de entendimento da corte, de sorte a afastar a imunidade de jurisdição no que tange a matéria trabalhista, na dimensão do processo de conhecimento. Nesse caso a ação demandada era contra a embaixada alemã por ausência de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS):
Estado estrangeiro. Imunidade judiciária. Causa trabalhista.
1. Não há imunidade de jurisdição para o estado estrangeiro, em causa de natureza trabalhista.
2. Em princípio, esta deve ser processada e julgada pela justiça do trabalho, se ajuizada depois do advento da Constituição Federal de 1988 (art. 114).
3. Na hipótese, porém, permanece a competência da Justiça Federal, em face do disposto no parágrafo 10 do art. 27 do A.D.C.T. da Constituição Federal de 1988, c/c art. 125, II, da E.C. N. 1/69.
4. Recurso ordinário conhecido e provido pelo Supremo Tribunal Federal para se afastar a imunidade judiciária reconhecida pelo Juízo Federal de Primeiro Grau, que deve prosseguir no julgamento da causa, como de direito.26
Foi nesse julgado, no voto do ministro Francisco Rezek, que se ventilou que a imunidade de jurisdição não era mais absoluta, o que já estava assentado na Convenção da Basiléia (Convenção Europeia sobre Imunidade de Jurisdição dos Estados)27, assinada em 1972. A imunidade necessita de temperanças, sendo especificada a necessidade de distinção entre atos de império e atos de gestão.
Esse caso foi paradigmático, pois foi nele que sucedeu o reconhecimento, pelo STF, de que a regra da imunidade de jurisdição absoluta não constituía mais costume inabalável do direito internacional28. Aliás foi nesse julgado que se chamou a atenção para o fato de as convenções de Viena não versarem sobre imunidade estatal, mas sim sobre a pessoa física do corpo diplomático e consular. Apontou-se, ainda, que a questão da imunidade de jurisdição, antes da década de 1970, não se encontrava prescrita em nenhum documento internacional29. Em suma, não só o caso teve uma conclusão diversa da Apelação Civil 9.705 de 1987, como rebateu todas as razões de decisão.
O caráter relativo da imunidade de jurisdição é confirmado, posteriormente, em precedente de 1995 envolvendo os Estados Unidos da América, o qual teve uma fundamentação mais aprofundada, sendo reconhecida de forma palmar a possibilidade de
conhecimento de litígios trabalhistas, perante a justiça trabalhista, em relação a estados estrangeiros:
Agravo de instrumento – Estado estrangeiro – Reclamação trabalhista ajuizada por empregados de embaixada – Imunidade de jurisdição – Caráter relativo – Reconhecimento da jurisdição doméstica dos juizes e tribunais brasileiros – Agravo improvido.
Imunidade de jurisdição. Controvérsia de natureza trabalhista. Competência jurisdicional dos tribunais brasileiros.
– A imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, quando se tratar de litígios trabalhistas, revestir-se-á de caráter meramente relativo e, em consequência, não impedira que os juízes e Tribunais brasileiros conheçam de tais controvérsias e sobre elas exerçam o poder jurisdicional que lhes e inerente.
Atuação do estado estrangeiro em matéria de ordem privada. Incidência da teoria da imunidade jurisdicional relativa ou limitada.
– O novo quadro normativo que se delineou no plano do direito internacional, e também no âmbito do direito comparado, permitiu – ante a realidade do sistema de direito positivo dele emergente – que se construísse a teoria da imunidade jurisdicional relativa dos Estados soberanos, tendo-se presente, para esse especifico efeito, a natureza do ato motivador da instauração da causa em juízo, de tal modo que deixa de prevalecer, ainda que excepcionalmente, a prerrogativa institucional da imunidade de jurisdição, sempre que o Estado estrangeiro, atuando em matéria de ordem estritamente privada, intervier em domínio estranho aquele em que se praticam os atos jure imperii. Doutrina. Legislação comparada. Precedente do STF. A teoria da imunidade limitada ou restrita objetiva institucionalizar solução jurídica que concilie o postulado básico da imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro com a necessidade de fazer prevalecer, por decisão do Tribunal do foro, o legitimo direito do particular ao ressarcimento dos prejuízos que venha a sofrer em decorrência de comportamento imputável a agentes diplomáticos, que, agindo ilicitamente, tenham atuado more privatorum em nome do País que representam perante o Estado acreditado (o Brasil, no caso). Não se revela viável impor aos súditos brasileiros, ou a pessoas com domicílio no território nacional, o ônus de litigarem, em torno de questões meramente laborais, mercantis, empresariais ou civis, perante tribunais alienígenas, desde que o fato gerador da controvérsia judicial – necessariamente estranho ao específico domínio dos acta jure imperii – tenha decorrido da estrita atuação more privatorum do Estado estrangeiro.
Os Estados Unidos da América e a doutrina da imunidade de jurisdição relativa ou limitada.
Os Estados Unidos da América – parte ora agravante – já repudiaram a teoria clássica da imunidade absoluta naquelas questões em que o Estado estrangeiro intervém em domínio essencialmente privado. Os Estados Unidos da América – abandonando a posição dogmática que se refletia na doutrina consagrada por sua Corte Suprema em Schooner Exchang v. McFaddon (1812) – fizeram prevalecer, já no início da década de 1950, em típica declaração unilateral de caráter diplomático, e com fundamento nas premissas expostas na Tate Letter, a conclusão de que “tal imunidade, em certos tipos de caso, não deverá continuar sendo concedida”. O Congresso americano, em tempos mais recentes, institucionalizou essa orientação que consagra a tese da imunidade relativa de jurisdição, fazendo-a prevalecer,
no que concerne a questões de índole meramente privada, no Foreign Sovereign Immunities Act (1976).30
Já em decisão prolatada no começo do século 21, em desfavor do Consulado Geral do Japão, tem-se a consolidação dos precedentes da década de 1990, bem como a distinção do reconhecimento da imunidade de jurisdição no que tange ao processo de conhecimento e ao processo de execução, sendo aclarado que uma possível inviabilidade de execução em decorrência da imunidade não obsta o conhecimento da demanda trabalhista pelo Poder Judiciário trabalhista brasileiro:
Imunidade de jurisdição – Reclamação trabalhista – Litígio entre estado estrangeiro e empregado brasileiro − Evolução do tema na doutrina, na legislação comparada e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: da imunidade jurisdicional absoluta à imunidade jurisdicional meramente relativa − Recurso extraordinário não conhecido.
Os estados estrangeiros não dispõem de imunidade de jurisdição, perante o poder judiciário brasileiro, nas causas de natureza trabalhista, pois essa prerrogativa de direito internacional público tem caráter meramente relativo.
– O Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição, perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes do STF (RTJ 133/159 e RTJ 161/643-644).
– Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do direito internacional.
O privilégio resultante da imunidade de execução não inibe a justiça brasileira de exercer jurisdição nos processos de conhecimento instaurados contra estados estrangeiros.
– A imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro, constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois – ainda que guardem estreitas relações entre si – traduzem realidades independentes e distintas, assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito de desenvolvimento das próprias relações internacionais. A eventual impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do título judicial condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução, não se revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes.31
2.3.1. Imunidade de jurisdição em relação a organizações internacionais
Como advertido, a imunidade de jurisdição do estado estrangeiro não deve ser confundida com a imunidade existente no âmbito de organizações internacionais. Está-se a tratar de sujeitos internacionais diversos. O que vai definir a dimensão da imunidade é a convenção internacional constitutiva da referida organização, a qual vai detalhar os contornos da imunidade.
Aponta-se que geralmente tem-se prescrito um nível de imunidade de jurisdição em dimensão absoluta, seja para conhecer a causa, seja para executar o cumprimento da sentença32.
Em pesquisa realizada dos julgados do STF, constata-se que se tem uma jurisprudência uníssona, catalogada desde 1989 até 2017, em respeito aos ditames convencionais do respectivo órgão internacional quanto à sua esfera de imunidade de jurisdição:
Reclamação trabalhista. Imunidade de jurisdição de que desfruta a Organização de Aviação Civil Internacional (art. 267, inciso IV, do Código de Processo Civil). Organismo internacional vinculado a ONU, da qual faz parte o Brasil. Convenção sobre privilégios e imunidades das agências especializadas. Legitima e a alegação de imunidade de jurisdição. Apelação a que se nega provimento.33
Direito internacional público. Direito constitucional. Imunidade de jurisdição. Organização das Nações Unidas (ONU). Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (ONU/PNUD). Reclamação trabalhista. Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas (Decreto 27.784/1950). Aplicação.
1. Segundo estabelece a “Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas”, promulgada no Brasil pelo Decreto 27.784, de 16 de fevereiro de 1950, “A Organização das Nações Unidas, seus bens e haveres, qualquer que seja seu detentor, gozarão de imunidade de jurisdição, salvo na medida em que a Organização a ela tiver renunciado em determinado caso. Fica, todavia, entendido que a renúncia não pode compreender medidas executivas”.
2. Esse preceito normativo, que no direito interno tem natureza equivalente a das leis ordinárias, aplica-se também às demandas de natureza trabalhista.
3. Recurso extraordinário provido.34
Em específico, no que tange a organizações vinculadas à ONU, a imunidade é de natureza absoluta nos termos da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, salvo hipótese de renúncia expressa. Esta foi a tese fixada em repercussão geral no Recurso Extraordinário 1034840: “O organismo internacional que tenha garantida a imunidade de jurisdição em tratado firmado pelo Brasil e internalizado na ordem jurídica brasileira não pode ser demandado em juízo, salvo em caso de renúncia expressa a essa imunidade”:
Recurso extraordinário. Organismo internacional. Organização das Nações Unidas ONU. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD. Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas Decreto 27.784/1950. Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas Decreto 52.288/1963. Acordo Básico de Assistência Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas Decreto 59.308/1966. Impossibilidade de o organismo internacional vir a ser demandado em juízo, salvo em caso de renúncia expressa à imunidade de jurisdição. Entendimento consolidado em precedentes do Supremo Tribunal Federal. Controvérsia constitucional dotada de repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário provido.35
2.4. A imunidade de jurisdição do estado nos precedentes do TST
Os precedentes do STF são amplamente aplicados no bojo dos julgados em sede de Tribunal Superior do Trabalho, não se constatando divergências entre a corte constitucional e a corte trabalhista.
A questão da imunidade absoluta das organizações internacionais é reforçada na Orientação Jurisprudencial 416 da Subseção Especializada em Dissídios Individuais − I do TST:
OJ nº 416. Imunidade de jurisdição. Organização ou organismo internacional. (DEJT divulgado em 14, 15 e 16.02.2012) (mantida conforme julgamento do processo TST-E-RR-61600-41.2003.5.23.0005 pelo Tribunal Pleno em 23.05.2016)
As organizações ou organismos internacionais gozam de imunidade absoluta de jurisdição quando amparados por norma internacional incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, não se lhes aplicando a regra do Direito Consuetudinário relativa à natureza dos atos praticados. Excepcionalmente, prevalecerá a jurisdição brasileira na hipótese de renúncia expressa à cláusula de imunidade jurisdicional.
O teor da referida orientação jurisprudencial é confirmado em julgado recente, de 2021:
Ação rescisória ajuizada na vigência do CPC/1973. Pedido de desconstituição fundado no art. 485, V, do CPC/1973. Violação ao art. 5º, § 2º, da Constituição. Organismo internacional. Unesco. Imunidade de jurisdição desconsiderada. Incidência da OJ SBDI-1 416 do TST. Configuração.
A garantia da imunidade de jurisdição plena à Organização das Nações Unidas – ONU e às suas Agências está devidamente assentada no ordenamento jurídico, nos termos dos Decretos nº 27.784/50, 52.288/63 e 59.308/66, conforme entendimento firmado pelo STF, em regime de repercussão geral, no julgamento do RE 1034840/RG. Nesse contexto, impende destacar que o parágrafo 2º do art. 5º da Lex Legum estabelece expressamente: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. É dizer, assim, que os direitos assegurados pelos tratados e convenções internacionais incorporados ao ordenamento pátrio não podem ser afastados pelos direitos e garantias expressos na Carta Magna, consoante dicção expressa do texto constitucional. Nessa perspectiva, portanto, o acórdão rescindendo, ao afirmar que a imunidade de jurisdição assegurada pelas convenções internacionais em que o Brasil é parte deve ser afastada por colidir com os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, viola expressamente o art. 5º, § 2º, da Constituição da República, circunstância que autoriza o corte postulado. Ação Rescisória julgada procedente.36
No que se refere aos estados estrangeiros, os julgados do TST deixam claro que a OJ 416 da SDDI-1 se restringe ao âmbito das organizações internacionais, de sorte que a imunidade de jurisdição é relativa quando a parte reclamada se constituir em uma embaixada ou consulado:
Recurso de revista da união interposto anteriormente à Lei 13.015/2014. 1 – Imunidade de jurisdição. Execução trabalhista. Consulado. Estado
estrangeiro. Inaplicabilidade da orientação jurisprudencial 416 da SBDI-1, do TST. Esta Corte pacificou o entendimento no sentido de que a imunidade absoluta de jurisdição, amparada por norma internacional e incorporada ao ordenamento jurídico pátrio, aplica-se apenas quando se trata de entidades públicas internacionais, ou seja, na forma da Orientação Jurisprudencial 416 da SDDI-1, não se estendendo aos Estados estrangeiros. Recurso de revista não conhecido.37
Destaca-se, também, nos precedentes do TST de forma cristalina a imunidade de execução, a qual só se torna viável quando há renúncia expressa do Estado acreditante ou quando encontrados bens não afetados às funções diplomáticas e consulares, tornando-se, assim, medidas como penhora judicial de conta corrente, via BacenJud, difíceis de resguardo legal:
II – Recurso de revista. Execução. Estado estrangeiro. Imunidade de execução. Relativização. Possibilidade de constrição judicial de bens não afetos à missão diplomática ou consular. Violação do artigo 5º, XXXVI, da CF.
1. O Tribunal Regional concluiu ser inviável a prática de atos coercitivos voltados contra o patrimônio do Estado estrangeiro, julgando ser imprescindível, para que a execução tenha curso, a expressa renúncia do Estado Acreditante.
2. É inviável, de fato, o deferimento de diligência por meio do Bacenjud – providência requerida pelo Exequente e negada na instância ordinária − quando o devedor é ente de direito público externo, pois se presume que os ativos financeiros depositados em instituições financeiras aqui localizadas estão protegidos pela inviolabilidade prevista nas Convenções de Viena de 1961 e 1963, ratificadas pelo Brasil por meio dos Decretos 56.435/65 e 61.078/67.
3. Todavia, na esteira da jurisprudência do TST, admite-se a excussão de bens de Estado estrangeiro, desde que os atos expropriatórios não se voltem contra os bens vinculados às representações diplomática e consular. Afinal, a imunidade de jurisdição, oriunda de fonte normativa costumeira, há algum tempo vem sendo relativizada no cenário internacional. E essa relativização não compreende apenas a ação (ou fase) de cognição. Com efeito, também em sede de execução não mais subsiste aquela rigidez que outrora excluía a possibilidade de expropriação de bens das pessoas jurídicas de direito público externo em toda e qualquer circunstância.
4. Nesse contexto, ao deixar de considerar que a dívida pode ser paga espontaneamente e recusar, de antemão, a possibilidade de que sejam encontrados bens do Estado estrangeiro que não estejam afetos à missão diplomática e consular, a Corte a quo acaba por infirmar a eficácia da decisão passada em julgado, violando a norma inscrita no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido.38
Consulado. Autorização de penhora de valores em conta corrente. Impossibilidade. Imunidade de execução. Não se apresenta autorizada pelo ordenamento a penhora de valores depositados em conta corrente de Estado estrangeiro. Isso porque a imunidade de execução que beneficia este apenas pode ser afastada em caso a) de renúncia por parte do próprio Estado estrangeiro ou b) de existência de bens, em território brasileiro, não afetados às legações diplomáticas ou representações consulares. No caso, como não é possível se distinguir se os créditos havidos em conta corrente
estão afetados às funções precípuas da missão diplomática ou se são destinados a meros atos comerciais, prevalece a imunidade de execução em favor do Estado estrangeiro. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acertadamente o constituinte de 1988 transferiu a matéria afeta ao espectro trabalhista envolvendo entes de direito público externo da competência da Justiça Federal comum para a Justiça do Trabalho.
A partir da construção jurisprudencial do STF, o que repercutiu necessariamente no âmbito do TST, revela-se de forma palmar que a matéria da imunidade de jurisdição do estado não reverbera mais como algo absoluto no seio do sistema jurídico brasileiro, em especial em matéria trabalhista, visto tratar-se de ato de gestão.
De tal sorte, delineia-se o regramento de que há jurisdição brasileira no que tange ao processo de conhecimento trabalhista envolvendo estado estrangeiro com missões ou repartições consulares acreditadas no Brasil.
Contudo, situação diversa se apresenta no momento da execução trabalhista, visto a permanência da imunidade de execução. De tal maneira, não se sucedendo o cumprimento voluntário da sentença condenatória trabalhista, a execução dependeria de renúncia expressa da imunidade de jurisdição por parte do estado estrangeiro ou da localização de bens desafetados às funções diplomáticas e consulares.
Sem dúvida que a tese defendida pelo professor Mauro Schiavi é o ideal no que diz respeito a uma efetiva promoção da justiça aos trabalhadores, ou seja, de que se a Justiça do Trabalho possui competência para conhecer a matéria referente a pessoas jurídicas públicas de direito externo, ela possui competência para executar suas sentenças.
Todavia, o sistema jurídico não se limita apenas ao sistema jurídico doméstico, sendo imperioso ter atenção aos compromissos e normas do direito internacional.
Uma solução à problemática seria a elaboração e ratificação de uma convenção internacional multilateral que reconhecesse a relativização da imunidade de jurisdição para atos de gestão, tanto na dimensão do processo de conhecimento quanto na dimensão do processo de execução. Uma convenção dessa natureza é uma declaração de boa-fé por parte dos estados, no bojo das relações internacionais, constituindo uma afirmação do respeito à legislação doméstica dos estados acreditados.
Por fim, no que toca à imunidade de jurisdição em relação às organizações internacionais, ela vem prescrita nas convenções constituidoras das referidas organizações, sendo uma tendência, por enquanto, o estabelecimento de uma imunidade de jurisdição de cunho absoluto.
Competência da justiça trabalhista, 1
Imunidade de jurisdição em questão trabalhista/doutrina, 1
ROCCO ROSSO NELSON: Imunidade de jurisdição em questão trabalhista/doutrina, 1
FICHA TÉCNICA // Revista Bonijuris Título original: Breves apontamentos em relação à imunidade de jurisdição em questão trabalhista40. Title: Brief notes on the immunity of jurisdiction in labor issues. Autor: Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte − UFRN. Especialista em Ministério Público, Direito e Cidadania pela Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar. Especialista em Direito Eletrônico pela Universidade Estácio de Sá. Ex-professor do curso de Direito e de outros cursos de Graduação e Pós-Graduação do Centro Universitário FACEX. Resumo: A matéria da imunidade de jurisdição do Estado não reverbera mais como algo absoluto no sistema jurídico brasileiro, em especial em matéria trabalhista, visto tratar-se de ato de gestão. Delineia-se o regramento de que há jurisdição brasileira no que tange ao processo de conhecimento trabalhista envolvendo Estado estrangeiro com missões ou repartições consulares no Brasil. Mas no momento da execução trabalhista, visto a permanência da imunidade de execução, não se sucedendo o cumprimento voluntário da sentença condenatória, a execução dependeria de renúncia expressa da imunidade de jurisdição por parte do estado estrangeiro. Palavras-chave: IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO; COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA; ENTIDADE PÚBLICA ESTRANGEIRA; EXECUÇÃO TRABALHISTA. Abstract: The issue of immunity from State jurisdiction no longer reverberates as something absolute in the Brazilian legal system, especially in labor matters, since it is a management act. It outlines the regulation that there is Brazilian jurisdiction with regard to the process of labor knowledge involving a foreign State with missions or consular offices in Brazil. But at the time of the labor execution, since the immunity from execution remains, without the voluntary fulfillment of the sentence, execution would depend on the express waiver of immunity from jurisdiction by the foreign state. Keyword: IMMUNITY FROM JURISDICTION; JURISDICTION OF LABOR JUSTICE; FOREIGN PUBLIC ENTITY; EXECUTION LABOR. Data de recebimento: Data de aprovação: 01.10.2021. Fonte: Revista Bonijuris, vol. 33, n. 6 – #673 – dez21/jan22, págs … . Editor: Luiz Fernando de Queiroz, Ed. Bonijuris, Curitiba, PR, Brasil, ISSN 1809-3256 (juridico@bonijuris.com.br).
REFERÊNCIAS
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DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 21. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. v.1.
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SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2016.
1 “o Direito Internacional Público pode ser conceituado como o conjunto de princípios e regras jurídicas (costumeiras e convencionais) que disciplinam e regem a atuação e a conduta da sociedade internacional (formada pelos Estados, pelas organizações internacionais intergovernamentais e também pelos indivíduos), visando alcançar as metas comuns da humanidade e, em última análise, a paz, a segurança e a estabilidade das relações internacionais” (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 12. ed. São Paulo: Forense, 2019, p. 19). “[…] definimos o Direito Internacional Público como o ramo do Direito que visa a regular as relações internacionais e a tutelar temas de interesse internacional, norteando a convivência entre os membros da sociedade internacional, que incluem não só os Estados e as organizações internacionais, mas também outras pessoas e entes como os indivíduos, as empresas e as organizações não governamentais (ONGs), dentre outros” (PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 44-5). 2 “O conceito de sociedade internacional é, assim, um conceito em mutação, que poderá ser modificado no futuro com a presença de novos atores nas relações internacionais. De qualquer sorte, ainda é correto afirmar que, dentre os atores que atualmente a compõem, os Estados são aqueles que detêm a maior importância, dado que somente com o seu assentimento outras entidades podem ser criadas (v.g., as organizações interestatais) ou certos direitos podem ser reconhecidos (v.g., o direito de acesso aos indivíduos às instâncias internacionais de direitos humanos, somente possível quando um Estado ratifica o tratado em que esse direito é assegurado)” (MAZZUOLI. Op. cit., p. 3). 3 “Não existe em Direito Internacional Positivo uma definição precisa de organização internacional capaz de expor, de maneira satisfatória, toda a complexidade do fenômeno organizacional. […]”. “Assim, para os fins do Direito Internacional Público, pode-se conceituar “organização internacional” como a associação voluntária de sujeitos do Direito Internacional, criada mediante tratado internacional (nominado de convênio constitutivo) e com finalidades predeterminadas, regida pelas normas do Direito Internacional, dotada de personalidade jurídica distinta da dos seus membros, que se realiza em um organismo próprio e estável, dotado de autonomia e especificidade, possuindo ordenamento jurídico interno e órgãos auxiliares, por meio dos quais realiza os propósitos comuns dos seus membros, mediante os poderes próprios que lhes são atribuídos por estes” (MAZZUOLI. Op. cit., p. 533). 4 Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/representacoes/estrangeiras-no-brasil. 5 Cf. PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 206-7. 6 “Com os dois tratados de Westfália (Tratado de Münster, assinado por Estados católicos, e Tratado de Osnabrück, assinado pelos protestantes envolvidos no litígio) demarcou-se, então, a nova era do Direito Internacional Público, que, a partir daí, passaria a ser conhecido como ramo autônomo do Direito moderno. Mas, por qual motivo? Pelo fato de, pela primeira vez, se ter reconhecido, no plano internacional, o princípio da igualdade formal dos Estados europeus e a exclusão de qualquer outro poder a eles superior” (MAZZUOLI. Op. cit., p. 356). 7 “A soberania não é apenas uma ideia doutrinária fundada na observação da realidade internacional existente desde quando os governos monárquicos da Europa, pelo século XVI, escaparam ao controle centralizante do Papa e do Sacro Império romano-germânico. Ela é hoje uma afirmação do direito internacional positivo, no mais alto nível de seus textos convencionais. A Carta da ONU diz, em seu art. 2, § 1, que a organização “é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros’. A Carta da OEA estatui, no art. 3, f, que ‘a ordem internacional é constituída essencialmente pelo respeito à personalidade, soberania e independência dos Estados’. De seu lado, toda a jurisprudência internacional, aí compreendida a da Corte da Haia, é carregada de afirmações relativas à soberania dos Estados e à igualdade soberana que rege sua convivência” (REZEK, Francisco. Direito internacional público. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 174). 8 Cf. PORTELA. Op. cit., p. 207. 9 Ibid. 10 Essa parte do dispositivo “entes de direito público externo” é fruto do constituinte originário, não tendo sido inserido ou alterado pela EC 45/04. 11 “A jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial (a) de realizar o Direito de modo imperativo (b) e criativo (reconstrutivo) (c), reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas (d) concretamente deduzidas (e), em decisão insuscetível de controle externo (f) e com aptidão para tornar-se indiscutível (g)” (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 21. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2019. v.1, p. 189). 12 “A competência é exatamente o resultado de critérios para distribuir entre vários órgãos as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição. A competência jurisdicional é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por lei. É o âmbito dentro do qual o juiz pode exercer a jurisdição; é a medida da jurisdição” (DIDIER JR., Op. cit., p. 240). 13 “Conflito de jurisdição entre juiz federal e Tribunal Regional do Trabalho. Competência do Supremo Tribunal Federal para dirimi-lo − Art. 119, I, ‘e’ da Constituição Federal de acordo com a EC n. 7/77. II − Reclamação trabalhista formulada pela viúva de empregado da embaixada da República Democrática Alemã, que invoca, no feito, a imunidade de jurisdição, com base na Convenção de Viana, ratificada pelo Brasil, em 8 de julho de 1965, pelo Decreto 56.435. III − Competência do Juiz Federal reconhecida de acordo com o art. 125, II, da Constituição Federal, anulado o julgamento proferido pela justiça incompetente” (STF, Pleno, CJ nº 6.182, Min. Rel. Cordeiro Guerra, julgado em 26.09.1979, DJ 19.11.1979). 14 “Atualmente, os tratados regulam matérias das mais variadas e importantes, tornando o Direito Internacional mais dinâmico, representativo e autêntico. Este fato constatado – que se pode chamar de codificação do Direito Internacional Público – tem feito com que inúmeros assuntos, antes regulamentados quase que exclusivamente por normas costumeiras, passem agora a ser regulados por normas convencionais formais” (MAZZUOLI. Op. cit., p. 120). 15 Cf. MAZZUOLI. Op. cit., p. 484. 16Estatuto da Corte Internacional de Justiça: Artigo 38. 1. A Côrte, cuja função é decidir de acôrdo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: […]. b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; […]. “A segunda grande fonte formal (historicamente, porém, a mais antiga) do Direito Internacional Público é o costume internacional.29 Sua importância advém do fato de não existir, ainda, no campo do Direito Internacional, um centro integrado de produção de normas jurídicas, não obstante a atual tendência de codificação das normas internacionais de origem consuetudinária” (MAZZUOLI. Op. cit., p. 69). 17 Cf. MAZZUOLI. Op. cit., p. 485. 18 “Como o inciso I do art. 114 da CF diz respeito à regra de competência, e não de jurisdição, tem-se entendido que somente no processo de conhecimento é que não há lugar para a imunidade de jurisdição em se tratando de matéria trabalhista em que o ente de direito público externo figure como sujeito passivo da obrigação correspondente” (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de processo do trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 343). 19 “A imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro, segundo o entendimento que tem prevalecido, alcança apenas o processo (ou fase) de execução. Trata-se, portanto, de ‘imunidade de execução’, salvo se o referido ente internacional, mediante Tratado Internacional ou sponte sua, renunciar expressamente à ‘imunidade de execução’” (LEITE. Op. cit., p. 343). 20 Aqui se refere a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e sobre relações consulares. 21 “Em duas hipóteses seria possível a penhora de bens de ente de direito público externo: 1ª) renúncia por parte do Estado estrangeiro à prerrogativa da intangibilidade dos seus próprios bens; ou 2ª) existência em território brasileiro de bens que, embora pertencentes ao ente externo, não tenham qualquer vinculação com as finalidades essenciais inerentes às legações diplomáticas ou representações consulares mantidas no Brasil” (PEREIRA, Leone. Manual de processo do trabalho. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 223).
22 Código de Processo Civil. Art. 26. A cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faz parte e observará:
I − o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente;
II − a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados;
III − a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente;
IV − a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação;
V − a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras.
§ 1º Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática.
§ 2º Não se exigirá a reciprocidade referida no § 1º para homologação de sentença estrangeira.
§ 3º Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro.
§ 4º O Ministério da Justiça exercerá as funções de autoridade central na ausência de designação específica.
Art. 27. A cooperação jurídica internacional terá por objeto:
I − citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial;
II − colheita de provas e obtenção de informações;
III − homologação e cumprimento de decisão;
IV − concessão de medida judicial de urgência;
V − assistência jurídica internacional;
VI − qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira. 23 SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 249-250. 24 STF, Pleno, ACi 9.705, Min. Rel. Moreira Alves, julgado em 09/09/1987, DJ 23.10.1987. 25 STF, Pleno, ACO 160, Min. Rel. Aliomar Baleeiro, julgado em 13/05/1970, DJ 21.08.1970. Destaca-se que nesse julgado o relator fora vencido. Ele não reconhecia o direito imunidade jurisdicional, posto que vislumbrava o cônsul como um agente comercial, de sorte que não estaria investido em qualquer função representativa do Estado. Fica evidente, aqui a confusão quanto as prerrogativas pessoais e o instituto da imunidade de jurisdição do Estado. 26 STF, Pleno, ACi 9.696, Min. Rel. Sydney Sanches, julgado em 31/05/1989, DJ 12.10.1990. 27 Íntegra da convenção em: https://rm.coe.int/CoERMPublicCommonSearchServices/DisplayDCTMContent?documentId=09000016800730b1. 28 “O quadro interno não mudou. O que mudou foi o quadro internacional. O que ruiu foi o nosso único suporte para a afirmação da imunidade numa causa trabalhista contra Estado estrangeiro, em razão da insubsistência da regra costumeira que se dizia sólida – quando ela o era −, e que assegurava a imunidade em termos absolutos” (STF, Pleno, ACi 9.696, Min. Rel. Sydney Sanches, julgado em 31,05,1989, DJ 12,10,1990, p. 15 do acórdão). 29 “Ficou claro, não obstante, que nenhum dos dois textos de Viena diz da imunidade daquele que, na prática corrente, é o réu preferencial, ou seja, o próprio Estado Estrangeiro. Com efeito, o que nos evidencia a observação da vida judiciária é que raras vezes alguém intenta no Brasil um processo contra a pessoa de um diplomata ou cônsul estrangeiro. O que mais vemos são demandas dirigidas contra a pessoa jurídica de direito público externo, contra o Estado estrangeiro. Essas demandas, quando não têm índole trabalhista − o que ocorre em mais de dois terços dos casos − têm índole indenizatória e concernem à responsabilidade civil. Quanto a esta imunidade − a do Estado estrangeiro, não mais a dos seus representantes cobertos pelas Convenções de Viena −, o que dizia esta Casa outrora, e se tornou cristalino no começo da década de setenta? Essa imunidade não está prevista nos textos de Viena, não está prevista em nenhuma forma escrita de direito internacional público” (STF, Pleno, ACi 9.696, Min. Rel. Sydney Sanches, julgado em 31.05.1989, DJ 12.10.1990, p. 11). 30 STF, Primeira Turma, AI 139671 AgR/DF, Min. Rel. Celso de Melo, julgado em 20.06.1995, DJe 29.03.1996. 31 STF, Segunda Turma, RE 222368 AgR/PE, Min. Rel. Celso de Melo, julgado em 30.04.2002, DJe 14.02./2003. 32 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de processo do trabalho. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 102. “[…] uma vez que estas são regidas pelos respectivos convênios constitutivos, nos quais normalmente já estão previstas as imunidades de jurisdição e execução da organização, tanto para o processo de conhecimento (cognitivo) quanto para o de execução” (MAZZUOLI. Op. cit., p. 483). 33 STF, Pleno, ACi 9.703, Min. Rel. Djaci Falcão, julgado em 28/09/1988, DJ 27.10.1989. 34 STF, Pleno, RE 597368/MT, Mina. Rela. Ellen Gracie, Min. Relator Min. Teori Zavascki, julgado em 15.05.2013, DJe 27.05.2014. 35 STF, Pleno, RE 1034840 RG, Min. Rel. Luiz Fux, julgado em 05.06.2017, DJe 30.06.2017. 36 TST, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, AR-5707-70.2013.5.00.0000, Rel. Min. Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 09.04.2021. 37 TST, 2ª. Turma, RR-643-21.2010.5.11.0019, Rela. Mina. Delaide Miranda Arantes, DEJT 13.12.2019. 38 TST, 7ª. Turma, RR-130500-78.2006.5.02.0030, Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 13.03.2015. 39 TST, 5ª. Turma, RR-170700-28.2006.5.02.0063, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 01.03.2013. 40 Artigo de investigação elaborado de estudo desenvolvido na linha de pesquisa “Democracia, Cidadania e Direitos Fundamentais”, inscrito no Grupo de Estudo e Pesquisa em Extensão e Responsabilidade Social, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, Brasil.