Júlio Moraes Oliveira MESTRE EM INSTITUIÇÕES SOCIAIS, DIREITO E DEMOCRACIA PELA FUMEC
Carla Imenes GRADUANDA EM DIREITO NA FAPAM
Rafaela Mendonça Alves GRADUANDA EM DIREITO NA FAPAM
OS DIREITOS DA PERSONALIDADE TERMINAM COM A EXISTÊNCIA DA PESSOA NATURAL. O CÓDIGO CIVIL, ENTRETANTO, TRAZ INSTRUMENTOS QUE POSSIBILITAM DEFENDER O FALECIDO
Na Constituição Federal de 1988, o dano material e moral e o dano à imagem são espécies distintas (art. 5º, inc. V). O dano à imagem pode ocorrer pela simples falta de consentimento do titular, não sendo primordial que se demonstre a ocorrência de qualquer prejuízo. É possível que, em um caso concreto, haja exclusivamente o dano à imagem, sem que se discutam danos materiais ou morais e vice-versa. Portanto, uma imagem captada ou difundida, ainda que não ofenda a honra ou os sentimentos da privacidade, representa violação do direito de personalidade se não houver autorização do titular.
A relevância da temática encontra eco no capítulo sobre os direitos de personalidade do Código Civil (Lei 10.406/02). O art. 20 assevera a indispensabilidade da autorização para exposição ou utilização da imagem de uma pessoa, resguardada a exceção de necessidade da administração da justiça ou manutenção da ordem pública.
Isso posto, é evidente a pertinência do debate sobre o direito à imagem no âmbito jurídico. No entanto, o atual cenário pandêmico de trabalho ou ensino remoto e distanciamento social trouxe ainda mais desafios para se pensar a temática. Além do crescimento exponencial de acesso e de tempo gasto online, principalmente em relação às redes sociais e ao comércio eletrônico, também é preciso considerar os riscos e as mudanças que serão imputadas à proteção jurídica da imagem de pessoas falecidas.
1. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PERSONALIDADE
Historicamente, os conceitos de pessoa e personalidade não se distinguiam até o século 19. Em Roma, por exemplo, qualquer ser humano era pessoa, inclusive os escravizados, mas a capacidade jurídica era atributo apenas dos homens livres. Logo, uma pessoa poderia ser tratada juridicamente como coisa, isto é, nem todos os seres humanos eram personificados.
Movimentos como o renascimento e o iluminismo ofereceram grandes contribuições à consolidação do princípio de igualdade formal. O primeiro explicitou a passagem da Idade Média para a moderna, centrou-se na razão e na ideia de que o indivíduo, ao questionar o mundo, exercia o dom que Deus lhe deu: o pensar. O iluminismo defendeu o poder da razão, ousou estender a crítica racional a todas as áreas do saber e buscou mitigar as explicações e influências da fé e da religião. Os iluministas denunciavam a estrutura política e social produzida pelo absolutismo e pelos privilégios concedidos à nobreza e ao clero.i
Sendo assim, ambos os movimentos provocaram reflexões profundas sobre o conceito de indivíduo e de liberdade. O iluminismo possibilitou o debate sobre a desigual correlação de forças da população frente ao monarca, à nobreza e à igreja. Favoreceu o surgimento da noção jurídica moderna de pessoa associada às suas dimensões humana e social. Influenciou a revolução francesa, um dos principais marcos na luta pelos direitos fundamentais.
Nesse passo, a Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada na França em 1789, são referências cruciais na instituição da primeira dimensão dos direitos fundamentais. A primeira tinha por objetivo constituir Estados livres e independentes, separados definitivamente da Grã-Bretanha, e versou sobre direitos individuais. A segunda rompia com o absolutismo e, por isso, é mais fácil identificar o foco na garantia da segurança individual, da liberdade religiosa e da igualdade de acesso aos cargos públicos. A intenção era impedir o Estado de realizar prisões arbitrárias, de perseguir os protestantes e de privilegiar a nobreza.
Deste modo, nota-se que, naquele momento, o empenho era de alcançar a não ingerência estatal e promover o respeito à liberdade de atuação dos indivíduos, ou seja, esperava-se que o Estado não agisse contra o sujeito e não interferisse em sua vida
privada. Essa foi a primeira dimensão de direitos fundamentais e caracterizou um precioso avanço na proteção da pessoa e na ideia de dignidade humana. A noção de igualdade formal dos indivíduos foi consolidada, mas não se pode asseverar, contudo, que houve rompimento com a perspectiva de que a ordem jurídica estivesse acima da individual.
O debate sobre direito da personalidade surgiu efetivamente em 1895, quando, de acordo com Marcos de Campos Ludwig2, o jurista alemão Otto von Gierke escreveu pela primeira vez a expressão “direito geral da personalidade” e o conceituou da seguinte forma:
Chamamos direito da personalidade aquele que garante a seu sujeito o domínio sobre um setor da própria esfera de personalidade […]. Os direitos da personalidade são diferentes, como direitos privados especiais, do direito geral da personalidade, que consiste numa reivindicação geral, garantida pelo ordenamento jurídico, de contar como pessoa. O direito da personalidade é um direito subjetivo que deve ser respeitado por todos.
Gierke defende a ideia de que é indispensável limitar as liberdades contratuais e resguardar os interesses mais significativos socialmente, reivindicando que o direito privado se concentre no conceito de personalidade. Entretanto, tal perspectiva não foi adotada pelo código civil alemão (1896), mas prevaleceu a expressão “capacidade jurídica”, conforme a teoria de Savigny.
A segunda dimensão dos direitos fundamentais dará novos ares à discussão sobre a proteção da pessoa humana, fase circunscrita no contexto de promulgação da constituição mexicana, de 1917, e na de Weimar, de 1919. Todavia, nosso Código Civil de 1916 assumiu a concepção de “capacidade” tal qual o código alemão. A palavra “personalidade” aparecia no art. 4º, porém sem conexão com direitos de personalidade, quando determina que “a personalidade civil do homem começa no nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”.
Os direitos fundamentais, em sua segunda dimensão, superam o pensamento restritivo, de ação negativa do Estado, e evidenciam a demanda por ações positivas. A sociedade passa a requerer que o Estado aja em prol dos cidadãos e que suscite
igualdade material. Os direitos sociais se tornam o foco da atenção. Segundo a lição de Fábio Konder Comparato (2010, p. 77):
Com base no princípio da solidariedade, passaram a ser reconhecidos como direitos humanos os chamados direitos sociais, que se realizam pela execução de políticas públicas, destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres; ou seja, aqueles que não dispõem de recursos próprios para viver dignamente. Os direitos sociais englobam, de um lado, o direito ao trabalho e os diferentes direitos do trabalhador assalariado; de outro lado, o direito à seguridade social (saúde, previdência e assistência social), o direito à educação.
É inegável que os direitos individuais ganharam novos contornos diante da luta pela materialidade da igualdade. Contudo, a mudança mais expressiva ocorreu na terceira dimensão dos direitos fundamentais, posteriores à segunda guerra mundial.
O nazismo provocou impactos nefastos na Alemanha e no mundo. O direito alemão foi duramente atingido a partir de 1924, mormente em 1933, ano em que todos foram submetidos à vontade ditatorial do Führer, e foi definido que só seria considerado cidadão o nacional, de sangue alemão, disposto a servir com lealdade ao Reich. Naquele contexto, era impensável falar sobre direitos de personalidade.
As consequências dessa mancha na história foram sentidas por todos na segunda guerra, mas minimamente serviram para mudar o panorama global no sentido de tornar indubitável a necessidade de construir e garantir um estado de direito, bem como de impulsionar os valores de fraternidade e solidariedade que sustentam a terceira dimensão dos direitos fundamentais.
Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro deu a devida importância aos direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Aliás, processo idêntico ocorreu com os direitos de personalidade, que só foram notabilizados após a promulgação da referida lei e, mais especificamente, do Código Civil de 2002.
No texto constitucional, diversas garantias individuais são, explícita e implicitamente, celebradas no rol de direitos e garantias fundamentais. No art. 5º, cuja redação destaca que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, os termos são definidos nos incisos. Ressaltamos apenas o inc. X, a título de exemplo: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
O Código Civil de 2002 ratifica a carta magna e dedica o segundo capítulo aos direitos de personalidade (arts. 11 ao 21), explicitando a substancial relevância desses direitos no atual ordenamento jurídico, assim como o compromisso de fortalecer a proteção aos direitos à vida, à integridade física, à honra, à imagem, ao nome e à intimidade da pessoa.
Os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana e essenciais ao seu desenvolvimento, representando direitos subjetivos, capazes de garantir um mínimo necessário e fundamental a uma vida com dignidade, segundo Júlio Moraes Oliveira (2013, p. 104). Já Daniel Carnacchioni (2017, p. 156) entende que “não há pessoa humana sem personalidade”.
Vale dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados “direitos essenciais”, com os quais se identificam precisamente os direitos da personalidade (DE CUPIS, 2004, p. 25). Para Tepedino (2004, p. 24), “compreendem-se, sob a denominação de direitos da personalidade, os direitos atinentes à tutela da pessoa humana, considerados essenciais à dignidade e integridade”.
Entre as características dos direitos de personalidade, salientamos que são inalienáveis, intransmissíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, assim como possuem caráter de direito subjetivo absoluto, isto é, têm efeito erga omnes (direitos oponíveis contra todos, impõem à coletividade o dever de respeitá-los). Ademais, é mister registrar que são extrapatrimoniais e impenhoráveis. Uma vez que não são avaliados economicamente, não podem ser vendidos ou concedidos, não podem ser objeto de penhora ou de comercialização. A doutrina e a jurisprudência admitem a possibilidade de que haja disponibilidade relativa dos direitos de personalidade, ou seja, pode acontecer, de forma limitada e transitória, a transmissão de expressões do uso do direito da personalidade. É o exemplo do direito à imagem, que pode ser cedida, onerosa ou gratuitamente, durante determinado lapso temporal.
Não é permitido ao titular dispor desses direitos de forma permanente e ilimitada, como aponta o Enunciado 4 da I Jornada de Direito Civil, ao reconhecer que “o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.
Segundo Schreiber (2019), “são direitos cuja função é proteger a condição humana, em seus mais genuínos aspectos e manifestações, não sendo, portanto, suscetíveis de avaliação econômica, configurando situações jurídicas subjetivas existenciais”. Corroboramos com o ponto de vista desse autor de que esses direitos podem ser ditos de generalidade, uma vez que a dignidade deve ser reconhecida a todas as pessoas e que não há taxatividade nos textos legais. Os direitos da personalidade são extrapatrimoniais, isto é, não podem ser apreciados economicamente, pois são valores existenciais da pessoa humana, extra commercium, todavia a violação a esses direitos pode ensejar reparação pecuniária como forma, por exemplo, de compensar um eventual prejuízo ou dano ao seu portador.
Gonçalves (2021, p. 72-79) assevera que os direitos da personalidade são ilimitados e não estão sujeitos somente ao rol tratado nos arts. 11 a 21 do Código Civil de 2002. Assumimos que a legislação prevê uma enumeração de valores e parâmetros que não excluem ou impedem que outras expressões de direitos de personalidade sejam consideradas no caso concreto e, portanto, merecedoras de tutela.
Maria de Fátima e Bruno Torquato (2021, p. 46) defendem que os direitos da personalidade são necessários, uma vez que não é possível a sua ausência nos indivíduos. São direitos essenciais à constituição e manutenção da própria dignidade do ser humano. Esses autores afirmam que também são vitalícios, ou seja, só se extinguem com a morte da pessoa. Já Cesar Fiúza (2019, p. 221) afirma serem genéricos, por serem formalmente concedidos a todas as pessoas.
Sobrelevamos que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º), por isso são irrefutáveis sua primazia e sua amplitude. Os direitos da personalidade são direitos essenciais ao ser humano como pressuposto de sua existência e dignidade. De acordo com Lôbo (2020), esses direitos concretizam a dignidade da pessoa humana no âmbito civil. Para Amaral (2018), esses direitos são
subjetivos e têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa em três aspectos: físico, moral e intelectual.
Por tudo isso, consideramos que os direitos de personalidade constituem um campo de conhecimento relativamente novo no Brasil, especialmente se levarmos em conta que nosso Código Civil tem quase 20 anos. Concomitantemente, o debate sobre esses direitos é crucial para sua concretização e avanço. No que tange especificamente à proteção jurídica da imagem como componente dos direitos de personalidade, debruçaremos sobre o assunto no próximo tópico, com intuito de realçar os aspectos que nos permitirão abordar mais diretamente a proteção da imagem de pessoas mortas.
2. A PROTEÇÃO JURÍDICA DA IMAGEM
Relata-se que a primeira decisão protetiva do direito à imagem teria sido lavrada na França, em 1855, no Tribunal de La Seine, que proibiu a representação cênica da diretora de uma congregação religiosa (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 210).
Reiteramos que a proteção da imagem é um dos direitos de personalidade, autônomo em relação aos demais e textualmente garantido no art. 5º, inc. X, da Constituição Federal, e no art. 20, caput, do Código Civil:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Anderson Schreiber (2011, p. 103) afirma que o artigo incorre em dois grandes equívocos. O primeiro, ao tentar delimitar as situações em que a imagem da pessoa pode ser veiculada sem autorização, o legislador se ateve somente a duas hipóteses: à necessidade de administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. A limitação é excessiva, pois nem sempre a administração da justiça ou a manutenção da ordem pública autorizam a veiculação da imagem alheia. O segundo equívoco, ao ignorar inúmeros outros casos em que haveria justificativa de veicular a imagem. Ademais, o referido autor ainda afirma que o art. 20 do Código Civil não deveria limitar a proibição do uso da imagem àquelas hipóteses que atingem a honra, a boa fama ou a fins
comerciais. Como afirmado, o direito à imagem é autônomo, cuja tutela independe de ofensa à honra. O uso da imagem alheia pode gerar reponsabilidade mesmo quando não exista intuito comercial.
A imagem não se resume à fotografia, ao desenho, à pintura ou à caricatura. Em nosso ordenamento jurídico, a imagem é um instrumento que projeta, identifica e distingue uma pessoa da coletividade. Portanto, engloba, mas extrapola, a captação e a difusão, parcial ou total, de atributos físicos. Alcança a personalidade do sujeito, as qualidades e os comportamentos que o individualizam e a maneira como é reconhecido no meio social. Dessa forma, a proteção à imagem estende-se às pessoas jurídicas.
Maria Helena Diniz (2012, p. 43) aponta que a imagem pode ser “classificada em imagem-retrato – reprodução corpórea da imagem, representada pela fisionomia de alguém; e imagem-atributo: soma de qualificações de alguém ou repercussão social da imagem”. Destarte, a amplitude do conceito e sua relevância no atual contexto midiático são evidentes.
Nesse mesmo sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2016, p. 248) afirmam que a imagem possui uma trilogia conceitual. A imagem-retrato refere-se às características fisionômicas do titular, tanto no aspecto estático (fotografia, pintura, caricatura) quanto no dinâmico (filme, animação). Já a imagem-atributo é conjunto de características da identificação social de uma pessoa. E, por fim, a imagem-voz é a identificação de uma pessoa por seu timbre de voz. No Brasil, algumas personalidades públicas são bastante imitadas, como os apresentadores de televisão Sílvio Santos e Fausto Silva, sendo impossível não reconhecer que se trata desses personagens quando a forma de falar de um deles é reproduzida, principalmente no humor.
Apesar dessa classificação conceitual, o direito à imagem é um só.
Na contemporaneidade, em torno de 67% dos lares brasileiros possuem acesso à internet, a frequência de acesso diário desse grupo é de 89%, sendo que 75% dos usuários realizam o acesso com objetivo de se conectar às redes sociais (CGI.BR, 2020). É fácil perceber que a quantidade de pessoas envolvidas, a influência da cultura cibernética de exibição detalhada da vida privada, o corriqueiro uso de telefones celulares com câmeras fotográficas embutidas e a velocidade da circulação de dados potencializam os riscos de violação ao direito de imagem.
É interessante frisar que a legislação e a jurisprudência asseguram que a violação do direito de imagem independe de quaisquer lesões adicionais, ou seja, a ausência de autorização dispensa qualquer complemento.
Em excelente julgado, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se posicionar:
Direito à imagem. Corretor de seguros. Nome e foto. Utilização sem autorização. Proveito econômico. Direitos patrimonial e extrapatrimonial. Locupletamento. Dano. Prova. Desnecessidade. Enunciado n. 7 da Súmula/STJ. Indenização. Quantum. Redução. Circunstâncias da causa. Honorários. Condenação. Art. 21, CPC. Precedentes. Recurso provido parcialmente. I − O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia. II − A utilização da imagem de cidadão, com fins econômicos, sem a sua devida autorização, constitui locupletamento indevido, ensejando a indenização. III − O direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de caráter personalíssimo, por proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada. IV − Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral. V − A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento sem causa, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. VI − Diante dos fatos da causa, tem-se por exacerbada a indenização arbitrada na origem. VII − Calculados os honorários sobre a condenação, a redução devida pela sucumbência parcial resta considerada. VIII − No recurso especial não é permitido o reexame de provas, a teor do Enunciado n. 7 da súmula/STJ. (STJ − Resp n. 267.529/RJ − Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, j 03.10.2000).
Segundo Wesley Vendrusculo (2008, p. 119):
O direito à imagem se constitui na faculdade (direito subjetivo) exclusiva do seu titular de autorizar, revogar a autorização, recusar, impedir, proibir a captação, divulgação, exposição e utilização da sua imagem, independentemente de qualquer relação com outro bem jurídico também protegido pelo ordenamento jurídico (intimidade, honra, fins econômicos etc.), assegurando-lhe ainda o direito do titular de impedir a lesão ou, quando isto for impossível, de obter a indenização pelos danos morais e materiais.
O exercício do direito à própria imagem tem duas vertentes: a negativa e a positiva. A negativa refere-se ao direito de impedir que terceiros captem ou divulguem, sem autorização, a imagem da pessoa. A positiva considera que o titular não pode alienar seu direito de imagem, porém pode ceder a outrem o exercício parcial ou relativo dele, por exemplo, para campanhas publicitárias ou comercialização de um produto que criou.
Consequentemente, não é proibido obter ganhos ou vantagens patrimoniais com o uso autorizado da imagem, seja o titular, seja terceiros, tanto que o art. 20 do Código Civil exclui do rol de proibições as autorizadas. Entretanto, não é possível alienar a própria imagem. A permissão do uso da imagem é concedida pelo titular e não pode ser ilimitada ou vitalícia. É preciso definir a forma de uso e de divulgação, a finalidade, o tempo, a quantidade, os aspectos pecuniários etc.
No caso de pessoas falecidas, aplica-se o parágrafo único do art. 20 do Código Civil: “Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”. Nesse sentido, pode-se dizer que há a extensão da garantia legal à imagem dos mortos e ausentes. Contudo, é apropriado advertir que o direito não pertence ao finado, já que não possui mais personalidade jurídica.
Conforme determina o Código Civil, a morte real ou presumida e a decretação de ausência caracterizam o fim da existência da pessoa natural. Logo, a lei assegura a proteção ao direito próprio de determinados familiares e não ao morto em si. Não é uma transmissão de direito, como já vimos no art. 11, pois os direitos de personalidade são intransmissíveis, tampouco uma substituição processual. É uma situação jurídica autônoma, em que o parente age em interesse próprio, para preservar a m
ente falecido e reclamar o dano reflexo sofrido. O familiar legitimado é um lesado indireto.
Destarte, passamos a analisar em detalhes a proteção da imagem da pessoa morta com o propósito de compreender a salvaguarda legal e alguns dos efeitos jurídicos desse instituto.
3. A PROTEÇÃO DA IMAGEM DAS PESSOAS MORTAS
Afirmam Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias (2016, p. 210) que, quando a ofensa é dirigida diretamente a uma pessoa falecida, não produz qualquer efeito jurídico, na medida em que o morto não mais ostenta personalidade jurídica.
Em caso de falecimento do titular dos direitos da personalidade, termina a existência da pessoa natural (art. 6º), e, por conseguinte, não haverá mais personalidade.
Nesse sentido, o dano por ricochete ou dano reflexo atinge os familiares do falecido de maneira indireta – que são os denominados lesados indiretos. É o exemplo de um filho que protege judicialmente a imagem do pai violada após o óbito dele. A tutela jurídica é concedida à pessoa viva para defender em nome próprio um direito da personalidade que é seu, consubstanciado em resguardar a memória do falecido.
A tutela jurídica dos interesses dos indivíduos lesados, diretos e indiretos, visa, em geral, a impedir que a ofensa perdure e que se efetive a reparação por perdas e danos. Isso pode ocorrer pela restauração da situação ao estado anterior à violação e pela compensação do dano sofrido. Na hipótese de desrespeito aos direitos de personalidade, o art. 12 do Código Civil é incisivo e abrange o direito dos familiares de pessoa falecida.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
O entendimento da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais também é no mesmo sentido, ao conceder tutela dos direitos da personalidade a “familiares legitimados a pleitear, em nome próprio, indenização pelos danos sofridos pelo morto, na qualidade de lesados indiretos”:
Responsabilidade civil. Indenização. Morte de detento. Fortuito. Tratamento desumano. Princípio da dignidade humana. Direitos da personalidade. Familiares como lesados indiretos. Danos morais. A Constituição da República protege o cidadão contra as investidas estatais na tentativa de impedir a lesão a direitos ligados a sua personalidade. A ele garante-se a manutenção de um mínimo de dignidade em hipóteses de restrição de sua liberdade, o que impede o Poder Público de praticar atos desumanos e degradantes que atentem contra a própria natureza do ser humano. O Estado, ao efetuar de forma violenta e sem qualquer respaldo em ordem judicial a prisão de cidadão que se encontrava com seus filhos no interior de sua residência, sendo o detento mantido incomunicável e sem qualquer assistência jurídica e de seus familiares, que com ele tiveram contato apenas após sua morte, não observou o principal fundamento da República, a prioridade de preservação e de implementação da dignidade da pessoa humana previsto pelo art. 1º, inciso III, da Constituição da República, princípio este que deve nortear toda a atividade estatal. Ampla tutela dos direitos da personalidade, estando os familiares legitimados a pleitear, em nome próprio, indenização pelos danos sofridos pelo morto, na qualidade de lesados indiretos (art. 12, parágrafo único, do Código Civil). (TJMG – Ap. 1.0439.07.074479-2/001 5 Cam. Cível – Des. Maria Elza – DJ 06.05.2010.)
Quando nos referimos à extensão dos direitos da personalidade para o post mortem são legitimados o cônjuge, os ascendentes, os descendentes e os parentes até quarto grau. No entanto, ao tratar de ofensa ao direito de imagem de pessoa morta, o referido código restringe os legitimados, excluindo os parentes de quarto grau, conforme dispõe o parágrafo único do art. 20 do Código Civil: “Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”.
Nesse sentido é o Enunciado 398 da V Jornada de Direito Civil: “Artigo 12, parágrafo único. As medidas previstas no art. 12, parágrafo único, do Código Civil podem ser invocadas por qualquer uma das pessoas ali mencionadas de forma concorrente e autônoma”. Também dispõe o Enunciado 399 da mesma jornada que “os poderes conferidos aos legitimados para a tutela post mortem dos direitos da personalidade, nos termos dos arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do CC, não compreendem a faculdade de limitação voluntária”.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2016, p. 210) defendem uma visão mais exemplificativa no referido dispositivo, e não um rol taxativo, pois o principal elemento deveria ser a afetividade, e não o aspecto biológico. Para esses autores, um enteado, um amigo ou uma namorada pode sofrer indiretamente também esse mesmo dano e, desse modo, seriam também legitimados, mesmo não estando abrangidos pelo art. 20, parágrafo único, do Código Civil. Daniel Carnacchioni (2017, p. 168) aponta que a confusão da doutrina é relacionar os lesados indiretos com os parentes especificados no art. 12. No entanto, afirma ser possível que uma pessoa com intensa afetividade com o falecido seja considerada lesado indireto.
Em caso de ofensa ao direito de imagem não é necessário provar a ameaça, lesão, perda ou dano, uma vez que a ausência de autorização já enseja o direito de agir para preservação, retratação e indenização, inclusive se a circunstância envolver pessoas mortas.
A proteção jurídica da imagem é um direito garantido em vida e o Código Civil, sensatamente, estende esse direito aos familiares de falecidos ou ausentes. Ratificando, o bem jurídico tutelado ao qual nos referimos pertence aos vivos, que podem ser atingidos pelo ataque à honra, à memória e à dignidade do ente falecido. Os danos dirigidos ao morto ou ausente reverberam nos familiares, pessoas vivas, detentoras de personalidade civil e de capacidade de direito (aptidão para ser titular de direitos e deveres nas relações jurídicas).
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou:
Recurso especial. Responsabilidade civil. Dano moral. Contrato de cartão de crédito celebrado após a morte do usuário. Inscrição indevida nos órgãos de proteção ao crédito. Eficácia post mortem dos direitos da personalidade. Legitimidade ativa da viúva para postular a reparação dos prejuízos causados à imagem do falecido. Inteligência do artigo 12, parágrafo único, do Código Civil.
1. Contratação de cartão de crédito após a morte do usuário, ensejando a inscrição do seu nome nos cadastros de devedores inadimplentes. 2. Propositura de ação declaratória de inexistência de contrato de cartão de crédito, cumulada com pedido de indenização por danos morais, pelo espólio e pela viúva. 3. Legitimidade ativa da viúva tanto para o pedido declaratório como para o pedido de indenização pelos prejuízos decorrentes da ofensa à imagem do falecido marido, conforme previsto no art. 12, parágrafo único, do
Código Civil. 4. Ausência de legitimidade ativa do espólio para o pedido indenizatório, pois a personalidade do “de cujus” se encerrara com seu óbito, tendo sido o contrato celebrado posteriormente. 5. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 6. Restabelecimento dos comandos da sentença acerca da indenização por dano moral. 7. Recurso especial parcialmente provido (STJ − REsp. n. 1207494/SP – Terceira Turma − Rel. Paulo de Tarso Sanseverino – Dje, 23.09.2013).
Ter o direito positivado no ordenamento é um passo primordial, todavia é imprescindível admitir que a complexidade da realidade coloca permanentemente à prova a legislação, os encaminhamentos jurídicos e a produção acadêmica da ciência do direito. Nessa perspectiva, é preciso considerar que o amplo uso das redes sociais e a rapidez como é possível divulgar uma imagem têm impactado as relações jurídicas. É nítida a necessidade de debater sobre a proteção à imagem na atualidade, por isso, elencamos alguns casos concretos sobre a temática.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já definiu ser cabível a indenização por perdas e danos, assim como a obrigação de reparação decorrente do uso ilícito da imagem, direito personalíssimo, no seguinte recurso especial:
Recurso especial. Ação de indenização. Dano moral. Direito à imagem. Morte em acidente automobilístico.
1. Descabe a esta Corte apreciar alegada violação de dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, ainda que com intuito de prequestionamento.
2. Havendo violação aos direitos da personalidade, como utilização indevida de fotografia da vítima, ainda ensanguentada e em meio às ferragens de acidente automobilístico, é possível reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, conforme art. 12 do Código Civil/2002.
3. Em se tratando de pessoa falecida, terá legitimação para as medidas judiciais cabíveis, o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral, até o quarto grau, independentemente da violação à imagem ter ocorrido antes ou após a morte do tutelado (art. 22, único, C.C.).
4. Relativamente ao direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral. Precedentes
5. A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Impossibilidade de
modificação do quantum indenizatório sob pena de realizar julgamento extra petita. Recurso especial provido. (STJ – RESP: 1005278 SE 2007/0264631-0, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 04.11.2010, T4 – Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 11.11.2020.).
Em 2015, houve grande repercussão sobre a divulgação de imagens do cantor sertanejo Cristiano Araújo, quando seu corpo estava sendo preparado para o velório e sepultamento. As fotos demonstravam hematomas e até detalhes da roupa fúnebre. O pai do cantor, João Reis Araújo, ingressou com uma ação para retirada das imagens e do vídeo produzido por dois funcionários nas instalações da clínica responsável pelo processo de preparação para o velório.
Nelson Rosenvald (2017, p. 79) nos acrescenta esclarecendo que:
Segundo a funerária responsável pelo translado do corpo, após exames no IML, Cristiano foi encaminhado para uma clínica de tanatopraxia, que prepara mortos para seus funerais. Em seguida, foi conduzido ao Palácio da música, no Centro Cultural Oscar Niemeyer, em Goiânia. Uma das fotos publicada no Instagram de uma mulher chamada Fernanda Rezende. Na legenda ela diz: “e aí chego em casa e vem meu pai todo chateado com sua cervejinha me contar: ‘quer ver ele? Fui eu que o arrumei. “Agora a ficha caiu… impossível não ficar triste. Descanse em paz!”. O pai da Fernanda é Edson Rezende, funcionário da Clínica responsável pela arrumação do corpo do cantor para o funeral.
No ano seguinte, 2016, no estado da Paraíba, a juíza de direito Andrea Caminha da Silva, em decisão liminar, determinou que houvesse bloqueio imediato, sob pena de multa, das imagens repercutidas no Facebook e bloqueio da reportagem completa com fotos e vídeos do corpo de um jovem que foi vítima de acidente automobilístico, assim como das imagens de sua mãe, que chegou a desmaiar ao ver o estado do corpo do filho.
O STJ reiterou que os direitos da personalidade são intransmissíveis, mas que ainda assim, a proteção à imagem e à honra do falecido pode ser demandada por seus familiares.
Daí porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais se desvanecem com a exaltação feita à sua memória, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula. Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua morte, pelo que seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo, seja por dano
moral, seja por dano material (RESP 521.697/RJ, 4ª Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro César Asfor Rocha, Data do Julgamento: 18.09.2003).
O Projeto de Lei 2.237/15, do deputado César Halum, buscava alterar o art. 212 do Código Penal, criando o seguinte parágrafo único: “É punível quem reproduz acintosamente, em qualquer meio de comunicação, foto, vídeo ou outro material que contenha imagens ou cenas aviltantes de cadáver ou parte dele”. Esse projeto foi apensado ao Projeto de Lei 2.175/15, do deputado Cícero Almeida, que visa criar parágrafo único segundo o qual “a pena fica aumentada em um terço quando decorrente de postagem de imagem de necropsia, tanatopraxia ou de qualquer procedimento de intervenção no cadáver na rede mundial de computadores”. O PL 2.175 obteve pareceres favoráveis e está em tramitação na Câmara dos Deputados.
Recentemente, em junho de 2021, houve a divulgação de fotos do corpo baleado de Lázaro Barbosa na internet. Ele estava foragido e era acusado de diversos crimes. Uma força tarefa de 270 policiais encontrou Lázaro e ele foi alvejado com 38 tiros.
Os exemplos aqui mencionados são apenas uma forma de demonstrar situações concretas, que versam sobre o direito à imagem de pessoa morta. Entretanto, no cotidiano jurídico, esses casos têm se tornado cada vez mais comuns, evidenciando a relevância de pensarmos sobre a temática e sobre os encaminhamentos dados pelo ordenamento jurídico.
Nelson Rosenvald (2017, p. 79) nos esclarece:
Cena 1:26 de outubro de 1976. Ao saber da morte do pintor Di Cavalcanti, o cineasta Glauber Rocha despenca para o funeral, com a câmera na mão e o intuito de homenagear o velho amigo. O registro virou o curta “Di-Glauber” que, lamentavelmente, poucos brasileiros puderam assistir. Logo após a primeira sessão, a filha do pintor, Elizabeth Di Cavalcanti, iniciou uma batalha jurídica para proibi-lo. Em 1979, a 7º Vara Cível concedeu liminar a um mandado de segurança impetrado por Elizabeth, vetando a exibição do filme. A decisão vale até hoje. O filme pode ser encontrado na internet, mas jamais fez carreira no cinema.
Na sociedade globalizada e conectada, quase tudo se transforma em produto a ser consumido, ainda que não seja especificamente “comprado”. O debate é desafiador e, obviamente, não é seara exclusiva do direito. Ao contrário, para compreender os
efeitos do uso excessivo das redes sociais e seus impactos, é basilar que diversas ciências cooperem no levantamento e análise de dados.
Nesse sentido, Nelson Rosenvald (2017, p. 80) faz uma inquietante reflexão:
O entretenimento vulgar e a banalização lúdica da cultura alcançam o desejo de bisbilhotar a intimidade alheia, mesmo que isso alcance o extremo de revelar o perverso e o macabro do compartilhamento do dissecar de um corpo morto, com finalidade de fruição da intimidade alheia por um público indiferente em relação à imoralidade e ávido por uma atitude passiva, aquilo Marshall McLuhan chamava de “banho de imagens”, principalmente as que evocam catástrofes e inconscientemente amenizam bastante a vida das pessoas.
Os algoritmos criados pelas mídias sociais para manter as pessoas conectadas é denunciado em documentários como “O dilema das redes sociais”. A influência econômica de youtubers na intenção de compra de seus seguidores é manchete de diversas reportagens e foco de variadas pesquisas acadêmicas. A relação entre a saúde mental e o uso das redes sociais tem sido investigada constantemente. Não são poucas as denúncias sobre aumento de cirurgias plásticas em adolescentes com intuito de parecer com a versão de uma selfie em que utilizou um determinado filtro do Instagram, por exemplo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inevitável pensarmos multidisciplinarmente a questão. Transitoriamente, a principal inferência, sob o olhar forense, é que precisamos de um posicionamento mais investigativo sobre as implicações do uso indevido, ou sem autorização, da imagem de pessoas mortas, bem como desenvolver uma jurisprudência que evidencie a seriedade das consequências desse ilícito e que seja mais severa nas sanções econômicas.
As soluções não são simples, mas percebe-se que o arcabouço jurídico nos proporciona instrumentos para uma efetiva proteção dos interesses das pessoas lesadas.
Diante do exposto, considera-se que a legislação nos fornece a devida proteção ao direito de imagem, mas que o debate social e jurídico precisa ser ampliado a fim de
que possamos avançar na efetivação do direito conquistado. Ademais, deve-se reconhecer que o direito à imagem de pessoa morta é uma ação de interesse dos familiares legitimados, por serem lesados indiretos.
Os direitos da personalidade terminam com existência da pessoa natural (art. 6º, CC), e, por conseguinte, não há mais personalidade, mas o Código Civil trouxe instrumentos que possibilitam a defesa desses direitos, mesmo depois da morte de seu titular. A família tem o direito de preservar a imagem do falecido, o bom nome e a honra. Esse é um patrimônio imaterial que merece a acolhida do direito. A imagem, em seu aspecto tridimensional, pode requerer uma tutela preventiva para evitar um dano iminente, ou uma tutela repressiva quando o direito já se efetivou, mas por se tratar de um direito da personalidade sempre merecerá resposta do Poder Judiciário, pois esses direitos inatos do ser humano são os principais aspectos de proteção de qualquer ordenamento jurídico. O princípio da dignidade da pessoa humana, alicerçado em bases constitucionais, impõe o dever ao Estado de coibir os abusos praticados e reparar aqueles que foram cometidos.
A jurisprudência tem se mostrado eficiente no suporte ao fortalecimento desse direito, não obstante entendermos que as sanções pecuniárias deveriam ser mais severas no intuito de exibir o rigor que a sociedade precisa ter ao observar o problema e para desempenhar satisfatoriamente seu caráter pedagógico.
A proteção da imagem de pessoas mortas/doutrina, 1
CARLA IMENES: A proteção da imagem de pessoas mortas/doutrina, 1
Imagem de pessoas mortas/doutrina, 1
JÚLIO MORAES OLIVEIRA: A proteção da imagem de pessoas mortas/doutrina, 1
RAFAELA MENDONÇA ALVES: A proteção da imagem de pessoas mortas/doutrina, 1
FICHA TÉCNICA // Revista Bonijuris Título original: A proteção jurídica da imagem das pessoas mortas. Title: The legal protection of the image of dead people. Autores: Júlio Moraes Oliveira. Mestre em Instituições Sociais, Direito e Democracia pela Universidade FUMEC (2011). Especialista em Advocacia Civil pela Escola de Pós-Graduação em Economia e Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas EPGE/FGV e EBAPE/FGV (2007). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos − FDMC (2005). Membro da Comissão de Defesa do Consumidor − Seção Minas Gerais − OAB/MG. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Membro Suplente do Conselho Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor − Comdecon-BH. Professor da FAPAM − Faculdade de Pará de Minas. Professor da Faculdade Asa de Brumadinho. Foi professor do Centro Universitário Newton Paiva e orientador e advogado do CEJU – Centro de Exercício Jurídico do Centro Universitário Newton Paiva. Advogado. Coordenador do projeto de pesquisa Espelho, Espelho meu… da Faculdade de Pará de Minas – FAPAM. Email: juliomoliveira@hotmail.com. Carla Imenes. Pós-Doutorado na University of Sydney – Austrália. Doutorado em Educação no Programa de Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Mestrado em Educação. Pós-graduação em Administração e Planejamento da Educação e Graduação em Pedagogia na UERJ. Graduanda em Direito na Faculdade de Pará de Minas – FAPAM. Professora na Universidade Federal de Viçosa − Campus Florestal. Pesquisadora do grupo de pesquisa Espelho, espelho meu… da Faculdade de Pará de Minas – FAPAM. E-mail: carlaimenes@gmail.com. Rafaela Mendonça Alves. Graduanda em Direito pela Faculdade de Pará de Minas – FAPAM. Pesquisadora do grupo de pesquisa Espelho, espelho meu… da Faculdade de Pará de Minas – FAPAM. E-mail: rafaela.mends57@gmail.com. Resumo: O art. 20 do Código Civil assevera a indispensabilidade da autorização para exposição ou utilização da imagem de uma pessoa, resguardada a exceção de necessidade da administração da justiça ou manutenção da ordem pública. Mas, sensatamente, também estende esse direito aos familiares de falecidos ou ausentes. Neste caso, o bem jurídico tutelado pertence aos vivos, que podem ser atingidos pelo ataque à honra, à memória e à dignidade do ente falecido. Os danos dirigidos ao morto ou ausente reverberam nos familiares, pessoas vivas, detentoras de personalidade civil e de capacidade de direito. Torna-se inevitável pensar multidisciplinarmente a questão da proteção da imagem de pessoas mortas. Palavras-chave: DIREITOS DE PERSONALIDADE; IMAGEM; PESSOA MORTA. Abstract: An image captured or broadcast, even if it does not offend honor or feelings of privacy, represents a violation of the right to personality if there is no authorization from the holder. Art. 20 of the Civil Code asserts the indispensability of authorization for the exhibition or use of a person’s image, safeguarding the exception of the need for the administration of justice or maintenance of public order. But the Civil Code, sensibly, also extends this right to family members of the deceased or absent. In this case, the protected legal asset to which the living belong, which can be affected by the attack on the deceased’s honor, memory and dignity. Damage directed at the dead or absentee reverberates on family members, living people, holders of civil personality and legal capacity. It becomes inevitable to think multidisciplinary about the issue of protecting the image of dead people. Keywords: PERSONALITY RIGHTS; IMAGE; DEAD PERSON. Data de recebimento: 14.07.2021. Data de aprovação: 01.10.2021. Fonte: Revista Bonijuris, vol. 33, n. 6 – #673 – dez21/jan22, págs … . Editor: Luiz Fernando de Queiroz, Ed. Bonijuris, Curitiba, PR, Brasil, ISSN 1809-3256 (juridico@bonijuris.com.br).
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