PROLIXA, PATERNALISTA, SURREALISTA, MAS AINDA MELHOR QUE A ALTERNATIVA
Citado no artigo de capa desta edição da Revista Bonijuris, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, faz previsão sombria sobre a constituição de 1988, que completa 30 anos neste mês de outubro. Sua análise é a mesma de quem viu 250 artigos serem redigidos para abarcar todo e qualquer tema que dizia respeito à sociedade sem atinar que eles estariam bem abrigados no ordenamento jurídico infraconstitucional. O resultado, avalia Barroso, é uma carta excessivamente detalhista e disposta a legislar até sobre os juros anuais. “Chega-se assim, sem espanto à consequência da constitucionalização excessiva e minuciosa e ao número espantoso de emendas”, diz. Tudo isso sem qualquer mudança de tendência no horizonte. Em 2008, data do vigésimo aniversário da constituição, contabilizava-se 56 emendas aprovadas pelo legislativo. Hoje já são 95. Para efeito de comparação, a constituição americana, inabalável desde que foi promulgada, em 1789, contém 27 emendas, dez delas integrantes do Bill of Rights, a Carta de Direitos.
Barroso prenuncia: a disfunção, ainda que progressista, compromete o propósito longevo ou ao menos duradouro da constituição e o seu papel de simbolizar a prevalência dos valores sobre as contingências pontuais ou imediatas da política, da economia e da sociedade. Em quase 130 anos de história republicana, o Brasil já concebeu sete constituições – a oitava vigorou durante o Império. É inimaginável que o faça novamente e, no entanto, eis o ministro da mais alta corte do Estado a contemplar essa possibilidade.
Muito em razão do período de redemocratização do Brasil, que emergia do regime militar no ano de promulgação da nova Carta, em 1988, tal como a de 1946 emergiu democrática no ocaso da ditadura Vargas, o constituinte não quis elencar apenas os direitos fundamentais. Preferiu resguardar-se com dispositivos garantistas cujo resultado foi uma constituição prolixa (a décima mais extensa do mundo), paternalista (apenas duas fixam mais direitos) e quase surrealmente detalhista.
Em entrevista, também nesta edição, o advogado constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins avalia didaticamente o futuro da carta brasileira. Para ele, as constituições analíticas, como a de 1988, por serem pormenorizadas, preveem situações ou “regulação ordinária de pontos, cuja discussão parlamentar posterior revela-se mais complexa do que imaginaram os constituintes”. Nem por isso ela é menos eficaz do que a principiológica, afirma. O grande problema está naquele encarregado de dar-lhe “corpo, vida e alma”. Na avaliação de Ives Gandra, hoje se os deputados federais e senadores eleitos formassem uma Assembleia Constituinte tenderiam a tornar a constituição ainda pior. “Que fique como está”, diz.
Na seção “Doutrina Jurídica”, o editor-chefe Luiz Fernando de Queiroz e a coordenadora de conteúdo Pollyana Pissaia encarregaram-se de selecionar artigos que tratam direta ou indiretamente da Constituição Cidadã, tal como batizada por Ulysses Guimarães (1916-1992). Clémerson Clève, um dos constitucionalistas mais citados em votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, discorre sobre as ações afirmativas contidas na Carta de 88; os catedráticos Lucas Gonçalves da Silva e Patrícia Sobral de Souza, da Universidade Federal da Bahia e de Sergipe, respectivamente, abordam o controle social sob o ponto de vista da redemocratização do país; e os promotores de justiça do estado do Paraná Ronaldo de Paula Mion e Ricardo Casseb Lois discutem a soberania do veredicto sob o prisma constitucional. Eis um número especial da Revista Bonijuris para uma ocasião especial.