O COLABORADOR DO PRESENTE, O JÚRI DO FUTURO
A inspiração do humanista Cesare Beccaria (1738-1794), italiano autor do clássico “Dos Delitos e das Penas”, demorou a bater à porta do direito brasileiro. O instituto da confissão é exemplo disso. Até 1940, a admissão do crime era tratada como instrumento acessório no Código Penal Brasileiro. Se o crime já fora imputado ao acusado, tanto pior. Caso fosse a julgamento sob a égide da Constituição de 1937, promulgada na ditadura getulista, o seu destino era ainda mais incerto. É que a carta também chamada de “constituição polaca” fora omissa em relação ao tribunal do júri. A única entre as sete constituições (oito se levada em consideração a emenda constitucional de 1969) que apagou da ordem jurídica a figura do conselho de sentença em crimes contra a vida.
Somente com a publicação do Código Penal Brasileiro, em 7 de dezembro de 1940, é que a confissão como circunstância atenuante foi prevista pela primeira vez. Ainda assim, só era incluída nos autos do processo quando o acusado confessava crime que ainda não lhe fora imputado ou que atribuía a outro. Aquele pelo qual fora denunciado eram favas contadas.
Aqui mesclam-se os temas tratados nas próximas páginas: de um lado, a evolução que vai da confissão à colaboração premiada. Do outro, a soberania do tribunal do júri consolidada na última década. A ideia de evitar erros judiciários e reduzir os custos do Estado criou focos de resistência por parte dos tribunais. Havia certo prurido, por exemplo, em aceitar que, com a reforma penal de 1984, a confissão passasse a beneficiar qualquer acusado que se autoincriminasse. Em seis anos, nova alteração. Desta vez, a Lei 8.072/1990 criou a figura do “delator premiado” para os casos de crime hediondo. Eram beneficiados aqueles que cooperassem com a investigação enquanto ao principal acusado recaía o recrudescimento e a diminuição de benesses. Esse “prêmio”, encarado como uma oferta em troca de informação que levasse à solução do crime, avançou sobre outras leis até chegar àquela que tratava de punir os crimes contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo.
A colaboração premiada (Lei 12.850/2013) é um instituto novo. Nasceu de uma necessidade de combater as organizações criminosas. A operação Lava-Jato a justificou, no ano seguinte, desencadeando uma caça à corrupção sistêmica no país que, como se viu, invadiu as estatais brasileiras e os três poderes da República: o executivo, o legislativo e o judiciário.
Nunca antes na história as estruturas do poder no Brasil haviam sofrido tal abalo. A República de Curitiba ganhou o status de grife e a lista de presos foi recheada de nomes ilustres – inclusive o de um ex-presidente.
No que se refere ao tribunal do júri, René Ariel Dotti, um dos mais proeminentes juristas brasileiros, encarrega-se de elucidá-lo na entrevista dessa edição.
O júri do futuro, porém, pode modificar-se. Não em sua essência, mas na maneira em que é realizado.
Em 31 de janeiro deste ano, a vara criminal de Araucária (PR), julgou por videoconferência um réu que estava preso em Itajaí, Santa Catarina. A juíza Débora Cassiano Redmond avaliou a primeira experiência do júri remoto de forma positiva. Apontou a celeridade, a economia aos cofres públicos, a dispensa de escolta policial e a desobrigação do translado do conselho de sentença e dos demais envolvidos como uma evolução. Em tempo: a defesa concordou com a videoconferência. O réu foi absolvido.